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"Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação. A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

domingo, 27 de outubro de 2013

"O Brasil tem que acabar com as PMs"

ISTOÉ - Independente
A Semana > Entrevista
N° Edição:  2293 |  25.Out.13 - 20:50 |  Atualizado em 27.Out.13 - 11:55
 
                   

Luiz Eduardo Soares

"O Brasil tem que acabar com as PMs"

Uma das maiores autoridades do País em segurança pública, o professor diz que a transição democrática precisa chegar à polícia
por Wilson Aquino e Michel Alecrim
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PESQUISA “A massa policial está insatisfeita. Mais de 70% das
polícias consideram o modelo atual equivocado”,
diz ele
Doutor em antropologia, filosofia e ciências políticas, além de professor e autor de 20 livros, Luiz Eduardo Soares é conhecido, mesmo, por duas obras: “A Elite da Tropa 1 e 2”, que inspiraram dois dos maiores sucessos de bilheteria do cinema nacional: “Tropa de Elite 1 e 2”. Considerado um dos maiores especialistas brasileiros em segurança, Soares, 59 anos, travou polêmicas em suas experiências na administração pública. Foi coordenador estadual de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, no governo Antony Garotinho, e Secretário Nacional de Segurança do governo Lula, em 2003. Bateu de frente com os dois e foi demitido. Nos últimos 15 anos, dedicou-se, junto com outros cientistas sociais, à elaboração de um projeto para modificar a arquitetura institucional da segurança pública brasileira, que, no entender do professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), passa necessariamente pela desmilitarização das polícias e o fim da PM – como gritam manifestantes em passeatas. O trabalho virou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51, apresentada no Congresso Nacional pelo senador Lindbergh Faria (PT-RJ).
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"A PM vê o manifestante como inimigo. Para a grande massa, a
polícia tem um comportamento abusivo, violador, racista, brutal”

 
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“A resistência de Geraldo Alckmin em enfrentar a brutalidade letal da
polícia está no coração da dinâmica terrível de ascensão do PCC"
 

Istoé -Por que o sr. defende a desmilitarização da polícia?

Luiz Eduardo Soares -
Porque já passou da hora de estender a transição democrática à segurança pública. A Polícia Militar é mais do que uma herança da ditadura, é a pata da ditadura plantada com suas garras no coração da democracia. A polícia é uma instituição central para a democracia. E é preciso que haja um projeto democrático de reforma das polícias comprometido com o novo Brasil, com a nova etapa que a sociedade está vivendo. O Brasil tem que acabar com as PMs. 

Istoé -Deixar de ser militar torna a polícia mais democrática?

Luiz Eduardo Soares -
A cultura militar é muito problemática para a democracia porque ela traz consigo a ideia da guerra e do inimigo. A polícia, por definição, não faz a guerra e não defende a soberania nacional. O novo modelo de polícia tem que defender a cidadania e garantir direitos, impedindo que haja violações às leis. Ao atender à cidadania, a polícia se torna democrática. 

Istoé -Mas o comportamento da polícia seria diferente nas manifestações se a polícia não fosse militar?

Luiz Eduardo Soares -
Se a concepção policial não fosse a guerra, teríamos mais chances. Assim como a PM vê o manifestante como inimigo, a população vê o braço policial do Estado que lhe é mais próximo, porque está na esquina da sua casa, como grande fonte de ameaça. Então, esse colapso da representação política nas ruas não tem a ver apenas com corrupção política nem com incompetência política ou falta de compromisso dos políticos e autoridades com as grandes causas sociais. Tem a ver também com o cinismo que impera lá na base da relação do Estado com a sociedade, que se dá pelo policial uniformizado na esquina. É a face mais tangível do Estado para a grande massa da população e, em geral, tem um comportamento abusivo, violador, racista, preconceituoso, brutal.
 

Istoé -Mas no confronto com traficantes, por exemplo, o policial se vê no meio de uma guerra, não é?

Luiz Eduardo Soares -
Correto. Mas esses combates bélicos correspondem a 1% das ações policiais no Brasil. Não se pode organizar 99% de atividades para atender a 1% das ações. 

Istoé -Como desmilitarizar uma instituição de 200 anos, como a PM do Rio?

Luiz Eduardo Soares -
Setenta por cento dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes querem a desmilitarização e a mudança de modelo. Entre os oficiais, o placar é mais apertado: 54%. Mas a desmilitarização não é instantânea. Precisa de um prazo que vai de cinco a seis anos e que depois pode se estender. É um processo muito longo, que exige muita cautela, evitando precipitações e preservando direitos. 

Istoé -Como poderia ser organizada uma nova polícia?

Luiz Eduardo Soares -
Os Estados é que vão decidir que tipos de polícia vão formar. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51 define dois critérios de organização: territorial e de tipo criminal. Isso porque a realidade do Brasil é muito diversa. O melhor modelo policial para o Amazonas não precisa ser o do Rio. São realidades demográficas, sociológicas, topográficas e geográficas distintas. 

Istoé -Como funcionaria o modelo territorial?

Luiz Eduardo Soares -
Seriam corporações com circunscrição dentro dos municípios, regiões metropolitanas, distritos e o próprio Estado. Poderíamos ter polícia municipal ou na capital, o Estado é que definirá. São Paulo, por exemplo, tem tantas regiões distintas, com características diversas, que poderia ter várias polícias. Essa seria uma possibilidade. Muitos países têm polícias pequenas a partir de certas circunscrições. Então poderíamos ter desde uma polícia só, porque a unificação das polícias é possível, até várias dentro do mesmo Estado. 

Istoé -E o tipo criminal?

Luiz Eduardo Soares -
Teríamos uma polícia só para crime organizado, outra só para delitos de pequeno potencial ofensivo. Mas todas são polícias de ciclo completo, fazem investigação e trabalho ostensivo. Poderia ter polícia esta-dual unificada para delitos mais graves, que não envolvam crime organizado. E pode ter uma polícia pequena só para crime organizado, como se fosse uma Polícia Federal do Estado. São muitas possibilidades. 

Istoé -Como fica a União?

Luiz Eduardo Soares -
Poderia ter atuação destacada na educação policial. No Rio, para ingressar na UPP o policial é treinado em um mês. Em outros Estados, são oito meses. O Brasil é uma babel. Tem algo errado. Tem que ter regras básicas universais. Na polícia, a bagunça, a desordem e a irresponsabilidade nacional, consagradas nesse modelo, são de tal ordem que formamos policiais em um mês, que têm o mesmo título de outro profissional formado em um ano. É necessário que haja um Conselho Federal de Educação Policial, como existe Conselho Federal de Educação. E o Conselho tinha que estar subordinado ao Ministério da Educação, não no da Justiça. 

Istoé -Os policiais foram consultados sobre esses novos modelos?

Luiz Eduardo Soares -
Fiz uma pesquisa sobre opinião policial, junto com os cientistas sociais Silvia Ramos e Marcos Rolim. Ouvimos 64.120 profissionais da segurança pública no Brasil todo. Policiais, guardas municipais, agentes penitenciários. A massa policial está insatisfeita, se sente alvo de discriminação, de preconceito, recebe salários indignos, se sente abusada, sente os direitos humanos desrespeitados. Mais de 70% de todas as polícias consideram esse modelo policial completamente equivocado, um obstáculo à eficiência. E os militares se sentem agredidos, humilhados, maltratados pelos oficiais. Acham que os regimentos disciplinares são inconstitucionais. Pode-se prender sem que haja direito à defesa, até por um coturno sujo! 

Istoé -Mas isso não ajuda a manter a disciplina?

Luiz Eduardo Soares -
De jeito nenhum. Mesmo com toda essa arbitrariedade não se evita a corrupção e a brutalidade. Estamos no pior dos mundos: policiais maltratados, mal pagos, se sentindo desrespeitados, não funcionando bem. E a população se sentindo mal com essa problemática toda. E os números são absurdos: 50 mil homicídios dolosos por ano e, desses, em média, apenas 8% de casos desvendados com sucesso. Ou seja: 92% dos crimes mais graves não são nem sequer investigados.  

Istoé -É o país da impunidade?

Luiz Eduardo Soares -
Somente em relação ao homicídio doloso. Estamos longe de ser o país da impunidade. O Brasil tem a quarta população carcerária do mundo. Temos 550 mil presos, eram 140 mil em 1995. 

Istoé -O que mais é necessário para democratizar a segurança pública?

Luiz Eduardo Soares -
Precisamos de uma polícia de ciclo completo, que faça o patrulhamento ostensivo e o trabalho investigativo. Hoje temos duas polícias (civil e militar), e cada uma faz metade do serviço. Nosso modelo policial é uma invenção brasileira que não deu certo. Até porque quando você vai à rua só para prender no flagrante, talvez esteja perdendo o mais importante. Pega o peixe pequeno e perde o tubarão. Tem que ter integração. O policiamento ostensivo e a investigação se complementam.  

Istoé -O que mais é importante?

Luiz Eduardo Soares -
 É fundamental o estabelecimento de carreira única. Em qualquer polícia do mundo, se você entra na porteira pode vir a comandar a instituição, menos no Brasil. Hoje temos nas instituições estaduais quatro polícias de verdade. Na PM são os praças e oficiais. Na civil, delegados e agentes. São mundos à parte. Você nunca vai ascender, mesmo que faça o melhor trabalho do mundo, sendo praça. Mas para quem entra na Escola de Oficiais, o céu é o limite. Isso gera animosidades internas. Isso separa, gera hostilidade. E esse modelo tem que acabar na polícia. Isso é o pleito da massa policial.

Istoé -O sr. foi secretário de Segurança e não fez as reformas. Por quê?

Luiz Eduardo Soares -
Por causa da camisa de força constitucional. Não podíamos mudar as polícias. Mas dentro dos arranjos possíveis fizemos o projeto das Delegacias Legais, que é uma das únicas políticas públicas do Brasil a atravessar governos de adversários políticos. São 15 anos desse projeto, apesar da resistência monstruosa que enfrentei. Fui demitido pelo (Anthony) Garotinho porque entrei em confronto com a banda podre da polícia. Após minha queda, policiais festejavam e o novo chefe de polícia dizia: agora estamos livres para trabalhar. Foi uma explosão de autos de resistência. 

Istoé -O crescimento do PCC se deve ao modelo policial vigente?

Luiz Eduardo Soares -
Acho que a resistência do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) em enfrentar a brutalidade letal da polícia, sua dificuldade em enfrentar a banda podre, de confrontar a máquina de morte, com a bênção de setores da Justiça e do Ministério Público, está no coração da dinâmica terrível de ascensão do PCC. Durante os primeiros anos, o PCC foi um instrumento de defesa dos presos, de organização que falava em nome da legalidade que era desrespeitada pelo Estado. Depois se dissociou das finalidades iniciais. Como já existia como máquina, poderia servir a outros propósitos, inclusive criminais. E foi o que começou a acontecer. O PCC deixou de ser instrumento de defesa para ser de ataque. Aí eles começaram a funcionar como uma organização criminosa. 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Filmagens postadas em site mostram homem agredido por PMs em Campinas (SP)

Filmagens postadas em site mostram homem agredido em Campinas (SP).
Polícia diz que investigará imagens e o acusa de porte ilegal de arma.

Do G1 Campinas e Região
 

A Polícia Militar (PM) abriu uma investigação interna para apurar a acusação de abuso de poder praticado por policiais contra moradores do Condomínio Residencial Arlete Cardoso Lins, no DIC 1, em Campinas (SP). Vídeos postados na internet mostram o porteiro Aníbal Fabiano Gimenez, de 37 anos, sendo abordado por um militar da Rocam com socos e chutes na cabeça. Gimenez era suspeito de portar munição de arma de fogo de uso restrito, foi detido, mas a Polícia Civil o liberou.
Nas filmagens postadas no sábado (12), dois dias após o ocorrido, é possível ver o porteiro sendo derrubado no chão e, na sequência, um dos policiais segura com os pés a cabeça de Gimenez contra o piso. Os militares apontam a arma para vários moradores e um idoso é agredido. Em um dos vídeos, os PMs também  atiram bombas de efeito moral contra as testemunhas, apesar da presença de crianças no local.
Em nota encaminhada pelo Comando Policial do Interior-2 (CPI-2), a Polícia MIlitar afirma que teve conhecimento dos vídeos nesta segunda-feira (21) e abriu uma Investigação Preliminar, para analisar o as cenas e apurar os fatos.

Ocorrência

Segundo a PM,  os policiais da Rocam faziam um patrulhamento pela região na ultima quinta-feira (10), quando identificaram como suspeita a atitude de Aníbal Fabiano Gimenez e mais dois homens.  Durante a abordagem, dois dos suspeitos fugiram e o porteiro foi pego e revistado. Segundo o CPI-2, com Aníbal, foram encontradas quatro munições de arma calibre 40 e, ainda segundo a polícia, durante a revista o porteiro agrediu um dos policiais com um golpe no rosto.
Gimenez rebate a versão e diz que lavava o carro em frente a sua casa quando os policiais o abordaram e pediram para ele colocar a mão na cabeça. O porteiro afirma que ficou nervoso e falou que não iria obedecer porque ele era morador do local. “Foi quando os PMs começaram a agir de forma mais violenta mandando eu obedecer e me xingando”, comenta Gimenez.
O porteiro confirma que bateu no rosto de um policial após seu pai de 68 anos ser empurrado com violência por ele. Gimenez alega que as munições que constam no boletim não pertencem a ele. Os vídeos publicados na internet mostram parte da suposta agressão contra o idoso.

Confusão

Nos vídeos postados no site é possível ver a revolta dos moradores do Condomínio Residencial Arlete Cardoso Lins com a abordagem dos policiais. Segundo a Polícia Militar, no momento da ocorrência, algumas pessoas começaram a lançar pedras contra a viatura que prestava apoio no local e outros residentes do condomínio derrubaram as motos dos policiais.
Uma moradora do residencial também foi detida por tacar pedras contra viatura e levada para o 1º Distrito Policial (DP) de Campinas junto com Aníbal Fabiano Gimenez. Os dois prestaram depoimento e foram liberados no mesmo dia.

Moradores registram em vídeo ação da Polícia Militar (PM) com soco e chute em porteiro em Campinas (Foto: VC no G1)Moradores registram em vídeo ação da Polícia Militar (PM) com soco e chute em porteiro (Foto: VC no G1)


Acessado e disponível na Internet em 23/10/2013 no endereço -
http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2013/10/moradores-registram-em-video-acao-da-pm-com-soco-e-chute-em-suspeito.html

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Como força auxiliar do Exército, ela (PM) enxerga o cidadão como inimigo

22/10/2013 - 03h45

Polícia Militar 'usa' protestos para requisitar fuzis em São Paulo

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ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO






Manifestações populares em São Paulo nos últimos anos foram usadas pela Polícia Militar como justificativa para solicitar a compra de fuzis de alta precisão e espingardas semiautomáticas.
O pedido foi aprovado, mas ainda não há data para a compra ser efetivada.








São 50 fuzis destinados a atiradores de elite e 200 carabinas calibre 12, investimento estimado em R$ 7,4 milhões.
Esse armamento, solicitado à Secretaria da Segurança, será destinado a unidades especiais, como Rota, COE e Gate.
Entre as armas encomendadas estão fuzis Barret calibre.416, com poder para perfurar blindados entre 600 e 2.000 m. "Não há emprego para isso em cidades. Só se alguém roubar um carro blindado e fizer um ataque à polícia", diz Lincoln Tendler, da revista "Magnum", especialista em armas.

O pedido apresentado em junho, auge dos protestos pelo país, causou mal-estar na cúpula da Segurança.
Entre os exemplos de "distúrbios" listados está o confronto entre policiais militares e civis, em 2008.
Na ocasião, policiais civis em campanha salarial tentaram protestar em frente ao Palácio dos Bandeirantes, sede do governo, mas foram impedidos pela Tropa de Choque. *
Policiais dos dois lados ficaram feridos no confronto, um deles a tiro. "Houve uso de tiro real por parte da turba, tanto que o sr. cel. PM [Danilo] Antão foi atingindo com um projétil na região da virilha", diz trecho do documento.
O documento também fala de facções criminosas e o crescimento do poder bélico dos bandidos.
A PM não quis comentar. A Secretaria da Segurança, em nota, disse que foi um "erro técnico" a inclusão de manifestações no pedido.

Os documentos são assinados por quatro oficiais, entre eles o comandante-geral, Benedito Roberto Meira, e o então comandante do policiamento do Choque, César Augusto Morelli.
A PM também cita outros protestos, como as que ocorreram nas favelas Paraisópolis e Heliópolis, em 2009, e na reintegração de posse em São José dos Campos, conhecida como Pinheirinho, em 2012.
Para a presidente da Associação dos Delegados de São Paulo, Marilda Pansonato Pinheiro, os pedidos reforçam o perfil da PM. "É da natureza dela. Como força auxiliar do Exército, ela enxerga o cidadão como inimigo", opina. *
Oficial da reserva, o coronel Nilson Giraldi diz que a PM precisa do armamento, mas não para usá-lo contra manifestantes. "Sua aplicação seria contra a criminalidade mortífera, aquela que deliberadamente mata. Seria a última alternativa, medida extrema para preservar vidas inocentes, incluindo a do PM."

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
 
* grifo nosso

'Erro técnico' foi reparado, diz secretaria sobre pedido de armas pela PM


22/10/2013 - 03h46

'Erro técnico' foi reparado, diz secretaria sobre pedido de armas

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DE SÃO PAULO
Ouvir o texto







A Secretaria da Segurança informou que houve um "erro técnico" na solicitação da Polícia Militar e, por isso, foram incluídos distúrbios civis entre as justificativas para compra de fuzis e espingardas.
"O erro já foi reparado com a elaboração, pela PM, de uma correção do projeto."





Folha solicita, desde o final do mês passado, cópia da retificação, mas não atendida.
A pasta diz ainda que a compra faz parte de um total de seis editais que visam dotar a PM de equipamentos para várias situações. Entre eles estão "robô para desarmar bombas, carros blindados" e "Riot Control, veículo que emite jatos d'água --este sim usado em controle de distúrbios".
Ontem, após novo questionamento da Folha, a pasta disse que "por uma questão de prioridade definida pelo comando, as armas não serão compradas neste momento".
A PM não quis comentar as circunstâncias do uso do armamento nem por que introduziu os distúrbios civis no contexto do pedido.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

Acessado e disponível na Internet em 22/10/2013 no endereço -






domingo, 20 de outubro de 2013

Poderia ter sido diferente - Repórter diz que autoridades e mídia ocultaram PCC (seis anos atrás)

Repórter diz que autoridades e mídia ocultaram PCC

Publicado em 12/01/2007 15:58 

Observatório da Imprensa 
A repórter da Rede Record Fátima Souza foi a primeira pessoa a falar no PCC, em 1997, quando era da TV Bandeirantes. Ela não foi ouvida. O governo fez questão de desmenti-la publicamente. Fátima faz, a esse respeito, críticas severas ao velho conluio da mídia com autoridades. E explica a razão prática disso:
“Você saber que existe alguma coisa errada, mas fingir que não vê para conseguir manter sua fonte e ter as informações em primeira mão. Nesse sentido, você vê pouca matéria contra a polícia, mostrando a realidade da polícia, o envolvimento da polícia com os bandidos, o que é uma coisa pouco questionada em São Paulo e no Rio, como se fosse normal. São poucos os repórteres que fazem matéria de polícia e não para a polícia”.
Fátima diz que o Fantástico da Rede Globo, ao fazer sua primeira reportagem sobre o PCC, apresentou o assunto como inédito, sem dar o devido crédito à Bandeirantes. São momentos em que o marketing desbanca a consciência profissional e intelectual.
Num período em que os dois lados, novo governo do estado e bandidos, se estudam – nenhum preso paulista foi enviado para presídio federal e até esta sexta-feira, 12 de janeiro, não houve novas ondas de ataques como os de maio, julho e agosto de 2006 –, Fátima diz que o problema maior pode estar não dentro, mas fora das cadeias:
“Hoje, você tem uma coisa muito alarmante do PCC, mais do que o PCC na cadeia, é o PCC aqui do lado de fora. Nós tivemos ataques aqui em maio, na maior cidade do país e, de repente, você via brotar PCCs de todos os cantos. Camicases saindo às ruas das favelas, dos bairros, de todos os pontos de São Paulo, dispostos a atacar e a seguir uma liderança”.
Fátima Souza lançará em março o livro PCC, A Facção. Ela é jornalista formada pela Fiam. Começou na TV Gazeta, passou para o SBT, depois foi da TV Cultura. Trabalhou durante 13 anos na Band, onde fez as principais matérias sobre o PCC. Ficou alguns meses no Diário de S. Paulo, depois passou seis meses dedicada ao livro. Agora está na Record.

Eis a entrevista.
Na literatura sobre o PCC existem, para simplificar, duas linhas que se contrapõem. Uma coloca a ênfase na responsabilidade do Estado, que não cumpre suas obrigações legais nas prisões, transformando-as em masmorras infernais, e suas obrigações relativas ao funcionamento do Judiciário. Outra faz basicamente o discurso de “lei e ordem”, supõe que os problemas estejam na fraqueza da autoridade diante do criminoso, ou até cumplicidade criminosa com ele. Qual é sua visão?
Fátima Souza – Virou um sonho escrever esse livro, porque eu acho que essa história do crime organizado tem que ser registrada, contada, escrita e divulgada. O que estava acontecendo em São Paulo era uma coisa atípica, não existia antes. Existia uma organização no crime, mas não o crime organizado. Era diferente.
Tinha lá os Serpentes Negras, que ameaçaram fazer isso. Erroneamente, algumas pessoas escreveram que o PCC vem da idéia dos Serpentes Negras. Não é verdade. Os integrantes que fundaram o PCC nem sequer conheciam os Serpentes Negras. Então, o PCC nasceu dentro da prisão em parte por aquilo que você acabou de falar: “Bota os caras lá, e daí?”
Só que eles, malandramente, num dado momento, viram que aquilo tinha dado a eles uma plataforma...
F.S. – Malandramente eles viram que aquela massa estava na mão deles mais fácil do que eles imaginaram. Então, passaram daquela bandeira inicial de lutar pelos direitos dos detentos, o que eles mesmos fazem, ninguém faz. E, de repente, passaram dessa união para ter melhores condições nas cadeias para ter melhor tráfico de drogas, para matar os desafetos, para montar uma organização inicialmente dentro da cadeia, com o domínio deles.
Eu decidi escrever esse livro porque eu fui a primeira repórter a denunciar a existência do PCC, em 1997.
Quando ele tinha quatro anos de idade...
F.S. – Sim, quando ele tinha quatro anos de idade e ainda não era de conhecimento público.
Nunca tinha sido escrita nenhuma linha no jornal sobre isso?
F.S. – Nunca tinha sido escrita uma linha sobre o PCC em nenhum lugar. Nem jornal, nem TV, nem revista.
Mas ele não tinha lançado o manifesto de fundação, em 1993?
F.S. – Não, o manifesto eu lancei na TV, pela primeira vez, na Band. O manifesto só veio depois da minha primeira reportagem.
Explique como foi, por favor.
F.S. – Eu recebi o manifesto pelo correio. Quando eu coloquei a primeira reportagem no ar, mostrando que existia atrás das grades uma organização, isso aconteceu depois de uma rebelião em Sorocaba, no interior de São Paulo, numa época em que as chefias ainda mandavam cobrir rebelião porque não era tão comum ter. Rebelião era matéria, eu fui cobrir essa rebelião e vi que tinha uma coisa diferente. Tinha um preso que era articulado, ele comandava essa rebelião, dava ordens e os presos obedeciam de uma forma completamente diferente das rebeliões confusas que eu já tinha visto. "Aí tem", eu pensei. “Quem é esse cara?”, perguntei para um agente penitenciário, e ele me respondeu: “É o Macalé”.
Passou um tempo e eu pedi uma autorização para um juiz, dizendo que queria fazer uma matéria sobre a vida dos presidiários e, claro, escolhi o Macalé para ser meu personagem. Eu queria saber o que tinha acontecido naquela rebelião. Então, o Macalé, em 1995, foi o cara que me deu a dica.
Quando fui entrevistá-lo, ele me disse que havia uma organização atrás dos presídios que, se quisesse, poderia paralisar os outros presídios. Eu saí de lá achando que ele estava contando uma coisa legal, porque era uma organização que ninguém conhecia. Ele não me deu o nome, eu perguntei a ele e ele disse: “Não estou autorizado ainda a falar esse nome, em breve vocês vão saber”. É claro que, como repórter, aquilo me aguçou e eu fui atrás. Comecei a perguntar para os parentes, para outros presos, tudo quanto é preso já tinha celular na época.
Depois que eu entrevistei o Macalé, procurei a minha chefia na redação e falei: “Está acontecendo isto: aquele preso que eu falei para vocês me disse que tem uma organização por trás dos presídios, que eles estão absolutamente organizados, que se eles quiserem eles param os presídios, não quis me dar o nome dessa suposta facção e eu nem posso garantir para vocês que existe, porque às vezes o cara inventa, conta lorota, quer crescer demais em frente à câmera, mas eu quero a liberdade de vocês para ir atrás dessa história”. E meus chefes deram.
Então, entre as matérias do dia e os acontecimentos da cidade, eu continuei investindo nisso. Em 1996, eu já tinha material suficiente para colocar a matéria no ar dizendo que existia uma facção criminosa, já com o nome PCC, porque com essas pesquisas que eu fui fazendo, dessas conversas com mulheres de presos, agentes penitenciários, diretores de presídios, outros detentos, a palavra PCC apareceu para mim em um papelzinho que era, na verdade, uma ameaça de morte. Esse papel foi interceptado dentro do Carandiru e o cara escreveu para o outro: “Você vai morrer”, e embaixo vinha “PCC”. Um agente penitenciário me chamou, entregou esse bilhete e falou: “Olha, acho que é essa facção aí que você está caçando”.
Eu fiz uma matéria robusta, de oito minutos, e a gente colocou no ar na Band. Pela primeira vez a palavra PCC apareceu no cenário. O governo negou, obviamente. O secretário da administração penitenciária, Benedicto Marques, chegou a dar uma entrevista na Jovem Pan dizendo que eu estava inventando notícia para ter ibope, que o que eu tinha falado era uma ficção e não uma facção. Isso me deixou muito brava. Os próprios colegas do mercado tiraram o maior barato da minha cara: “E aí, cadê o PCC, tá inventando notícia agora?”
Na época, o único colega da imprensa que levou a sério isso e decidiu ir atrás foi o Josmar [Jozino], que sabia como eu trabalhava e que não estava inventando uma história.
Nesse episódio nós podemos ver com clareza como a mídia tende a acompanhar o discurso da autoridade...
F.S. - Aquele foi um momento muito decepcionante para mim, porque a gente não está falando só da mídia, a gente está falando de pessoas que me conheciam, conheciam o meu trabalho, sabiam como eu trabalhava e se curvaram à palavra do então secretário e depois do Mário Covas.
O governador entrou ao vivo com o Zé Paulo de Andrade, porque a Rádio Bandeirantes abraçou também e eu passei a fazer matéria para a TV e para o rádio. O Zé Paulo mandou ligar no meu celular e a gente fez uma conversa a três no ar e o Mario Covas foi gentil, dizendo que eu era uma grande repórter, que ele gostava muito das minhas matérias, mas que, no caso, alguém me teria levado ao engano. Não foi tão grosso como o Secretário, mas ele disse: “Alguém te levou ao engano. Essa facção não existe. Eu já falei com o meu secretário, com diretores de cadeia, então a população pode ficar sossegada que isso é uma invenção”. Eu me lembro de ter dito: “Governador, o tempo vai dizer. Eu acharia mais sensato o senhor ir atrás dessa história e acabar com ela enquanto é pequena do que fingir que não existe”. Ficou até um bate-boca entre mim e o Covas lá na rádio, mas eu tinha certeza do que estava falando. A partir daí, eu passei a fazer várias matérias. Passadas duas semanas dessa reportagem que eu coloquei no ar, me chegou via Sedex, sem remetente...
Como é que pode chegar Sedex sem remetente?
F.S. – Você pode pôr remetente falso, como era o caso. Não existia aquele remetente, não era verdadeiro. Então eu recebi aquele material e era o estatuto do PCC, aquele primeiro, escrito a mão.
Mas ele veio escrito a mão?
F.S. – Escrito a mão.
Copiado na cadeia por alguém.
F.S. – Não, acho que foi o estatuto inicial. Era ainda o primeiro estatuto que foi feito e distribuído entre eles, com a letra do Geléia, na época.
Mas o mesmo papel? Aquele papel de 1993 estava circulando ainda e foi mandado...
F.S. – Estava circulando numa folha de papel almaço que era xerocada e distribuída. Eles dizem que até hoje existe o original disso.
Pensei que a senhora estava com o original.
F.S. – Não, o original ainda estaria com algum detento ligado à primeira chefia do PCC. E junto [ao Sedex], uma carta. Escrita a mão, canetinha Bic, explicando o que era o PCC, que era uma organização que tinha a intenção de defender os direitos dos presos.
Passados dois dias que esse material chegou, me ligaram na redação e eu fui atender. Era uma mulher que se identificou como mulher de um dos presos líderes do PCC na época e falou que o marido dela é que tinha me enviado o material, que o remetente não era o verdadeiro.
Eu não pus logo de saída o material no ar. Eu queria buscar mais para ver até onde aquilo era verdade, se era um trote, quem tinha mandado, e aconteceu da mulher me ligar. Ela disse que o marido tinha mandado, que era o estatuto original feito no presídio de segurança máxima de Taubaté, onde o PCC nasceu, e a gente colocou no ar. A partir daí, acho que eu fiz mais umas duas mil matérias sobre o assunto e outras pessoas começaram a fazer também.
Eu me lembro de um episódio muito legal que eu coloco no livro, muito divertido. Passado um ano da minha insistência em dizer que o PCC existia, teve uma outra rebelião, não no presídio de segurança máxima, no outro, de Hortolândia, e eu fui cobrir essa rebelião. Pela primeira vez, o PCC mostrou o nome dele publicamente depois das minhas reportagens. Pegaram um lençol e escreveram “PCC” e hastearam no topo da cadeia, no exato momento em que o mesmo secretário da Administração Penitenciária, João Benedicto de Azevedo Marques, chegava com seus seguranças para tentar negociar o controle da rebelião.
Quando o secretário chegou todo mundo foi para cima dele e os caras hastearam a bandeira. Então eu perguntei: “Secretário, aquilo lá também é invenção minha?” Ele olhou e respondeu, gravando, inclusive: “Minha filha, bandeira existe até em escola de samba”. Eu acho que esse episódio retrata muito o descaso do governo com o que estava acontecendo nas cadeias.
Nessa altura do campeonato, a mídia, seus colegas, estavam...
F.S. – Foi nesse dia, com a bandeira hasteada do PCC, que os colegas deram matéria sobre a facção.
A senhora se lembra em que dia ou ano foi isso?
F.S. – Já era 1997. Foi a primeira vez que a mídia acreditou no que eu estava falando e começou a falar de PCC, do que seria o PCC. Depois dessa bandeira, o Fantástico fez uma matéria, acho que um ano e meio depois da minha denúncia, viu que eu não estava mentindo, foi atrás e fizeram num tom de “O Fantástico descobre”, como se fosse uma total novidade, como é comum da Globo, não aceitar que tomou furo de ninguém. Eles fizeram a matéria como se fosse uma coisa absolutamente nova, que ninguém houvesse falado, como se a TV Bandeirantes não existisse, durante um ano, colocando matérias no ar.
Como a senhora analisa a atitude da imprensa, da mídia? O Observatório da Imprensa tem dito sistematicamente: uma coisa não existe desligada da outra, nem bandido, nem autoridade, nem nada. A mídia é um tecido que liga tudo isso. Não tem nem como não ser assim. Como a senhora analisa a atitude da mídia em face dos bandidos e das autoridades?
F.S. – Na verdade, eu também faço parte da mídia e, em alguns momentos, mesmo sem querer, a gente acaba errando. Eu acho que o maior problema é quando você, por querer, acaba errando.
O que isso significa?
F.S. – Significa você, de alguma forma, compactuar com as autoridades. Você saber que existe alguma coisa errada, mas fingir que não vê para conseguir manter sua fonte e ter as informações em primeira mão. Nesse sentido, você vê pouca matéria contra a polícia, mostrando a realidade da polícia, o envolvimento da polícia com os bandidos, o que é uma coisa pouco questionada em São Paulo e no Rio, como se fosse normal. São poucos os repórteres que fazem matéria de polícia e não para a polícia.
No episódio do PCC, é até deselegante para mim, que também faço parte da mídia e também já errei, o que a mídia fez foi cometer um grande erro. Não é “super”-ego, não, mas acho que se eu tivesse sido ouvida naquele momento, se o resto da mídia tivesse dado essa força para que o PCC estivesse rapidamente em todos os jornais, revistas e rádios, o governo teria se mexido, teria trabalhado com mais empenho, não teria fingido que era simplesmente um problema que não existia. Tenho certeza absoluta que se o PCC tivesse sido combatido naquele momento, em que ele tinha 700 homens, ele não chegaria a ter 130 mil.
A senhora acha que ele tem 130 mil?
F.S. – Absoluta certeza.
A informação que eu tenho não é essa. É de que ele tem um certo número sob controle, até compulsório, em casos em que a pessoa, se não obedecer, pode sofrer represálias, mas não existe essa coisa de ter um exército de 130 mil homens.
F.S. – O Estado tem tão pouco domínio sobre o PCC hoje como tinha no início dele, quando desprestigiou a realidade. Hoje, você tem uma coisa muito alarmante do PCC, mais do que o PCC na cadeia, é o PCC aqui do lado de fora. Nós tivemos ataques aqui em maio, na maior cidade do país e, de repente, você via brotar PCCs de todos os cantos. Camicases saindo às ruas das favelas, dos bairros, de todos os pontos de São Paulo, dispostos a atacar e a seguir uma liderança. Isso me parece mais organizado que o Estado, que não tem liderança sobre sua própria polícia. Não há essa organização dentro da polícia, mas há entre os bandidos.
O próprio Estado, após os ataques, demorou a reagir. No 17° ataque, eu estava na porta do DEIC e o diretor do DEIC, Godofredo Bittencourt, olhou para minha cara e disse: “Não há nada que comprove que há relação dos ataques com o PCC”.
Isso é não enxergar absolutamente nada ou fazer um jogo sujo, como fizeram quando morreram 111 e anunciaram que eram 11 até às cinco da tarde, quando terminou a eleição [refere-se ao massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992]. O diretor do DEIC, que é o departamento responsável pela investigação do PCC, dizendo sobre o 17° ataque na cidade de São Paulo, que já começava a ficar assustada, que não havia prova nenhuma de que era o PCC ou, muito menos, que houvesse relação entre os ataques, que poderiam ser coisas isoladas, é, no mínimo, uma piada.
Existe aí a famosa “dissonância cognitiva”, um personagem é o Godofredo Bittencourt, na porta do DEIC, dizendo para a repórter que não tem nada disso e o outro, no Congresso Nacional, dizendo que é isso mesmo e pior até. O que acha disso?
F.S. – Para dar um exemplo, jornalisticamente falando, se você mandar um jornalista ir fazer uma matéria, o cara pode trazer um grande resultado, se empenhar, ir lá, fuçar e trazer uma boa matéria, ou pode ir e fazer o trivial: ouvir autoridade, passar em frente à delegacia, fechar o material dele e sair cedo da redação.
No caso do Godofredo Bittencourt, ele fez uma materiazinha e saiu cedo da polícia. Ele não fez uma grande investigação sobre o PCC. Então, a [Delegacia de] Roubo a Banco investigou e quando eles levaram a sério, e durou, custou muito, porque o PCC só foi levado a sério pelo Estado e investigado pelo Deic em 2002, quando aconteceu a megarrebelião.
De 1997, quando eu detectei a facção, a 2002, faça as contas para ver quanto tempo passou para que realmente eles falassem: “Agora vamos criar uma delegacia para cuidar do PCC”, “O PCC parou 30 presídios, então agora não dá mais pra dizer que ele não existe”. Só que, quando eles disseram “Agora vai ser sério”, eles tiveram sete anos mais os dois em que eles já existiam para se articular, crescer, ter liderança, telefone na cadeia. Na megarrebelião, eu fiquei online com o César em um celular e com o Geléia, no outro, me passando informações: “Caiu cadeia tal. Agora nós vamos derrubar tal cadeia. Conta dez minutos que está rebelada”. E, em 10 minutos, estava rebelada. O PCC já era grande, tinha celulares, caixa, rifa, tudo o que agora todo mundo fala.
A polícia demorou para se tocar da existência. Em 2002, montou essa delegacia e passou a trabalhar, catalogar, saber quem era quem, quem eram os líderes. Houve um espaço de tempo muito grande para que isso acontecesse. Quando eu digo que eles investigaram de forma não total, é exatamente isso. Ali já era tarde, já tinha uma facção grande, um domínio grande dos presos, o PCC já era grandíssimo aqui na rua, com mais de três mil homens. A batalha foi mais difícil.
A senhora concorda com a visão de que existe um grupo de jornalistas que se aplicam, se empenham em mostrar que o problema existe, é grande, tem que ser encarado? Eu noto algumas matérias que têm esse sentido. Por exemplo, outro dia saiu uma matéria que dizia “PCC já treina esquadrão feminino”.
F.S. – Eu fiz essa matéria do esquadrão feminino do PCC em 2003. Em 2003, o PCC começou a dominar as cadeias femininas de São Paulo, a ter representantes femininas. A Maria do Pó se aliou ao PCC, a Loira se aliou ao PCC. Começou a ter nomes de bandidas famosas que se aliaram ao PCC e a ala feminina começou a crescer muito. Hoje, nas cadeias, você tem as rebeliões femininas exatamente como as masculinas, com o PCC nas bandeiras, pintado no chão, mas ainda são subordinadas ao comando masculino, porque só tem homens na chefia do PCC. Hoje não existe mais essa distinção. Não é mais novidade as mulheres serem do PCC.
As mulheres, aliás, têm grande importância para o PCC. Tem um capítulo do meu livro que fala sobre isso, a importância que elas tiveram no leva e traz, as mulheres dos presos levando e trazendo informação.
E o Ministério Público? Teve a mesma atitude que a polícia?
F.S. – O Ministério Público, tão logo eu fiz a denúncia da existência dessa facção, me procurou através do Dr. Gabriel Inela, pedindo todos os detalhes possíveis da situação. Eu entreguei para ele cópia de tudo, o dossiê que eu tinha com mais de quinhentas páginas e ele foi adiante, visitou as cadeias, se certificou da existência da facção e enviou a um juiz, pedindo abertura de inquérito, e o juiz, que disseram ser amigo do governador, mandou arquivar o material. Então, ele até tentou, mas a Justiça também não acreditou e o material foi arquivado.
Depois disso o Ministério Público ficou parado?
F.S. – O Ministério Público tentou de novo, foi arquivado novamente e o que eles fizeram depois foi dar o meu dossiê para a Globo para eles fazerem a matéria no Fantástico.
Que matéria?
F.S. – Aquela inicial de que eu falei. Então, só em 2002 o Ministério Público entra de novo no cenário com o Dr. Marcos Christino, Roberto Porto, que começam junto com a Polícia a investigar o PCC.
E como está hoje a imprensa? Está mais alerta, mais lúcida?
F.S. – Em relação ao PCC, está, sim. Mais alerta, mais lúcida. Ainda tem alguns repórteres que continuam sabendo que é importante a gente bater esse martelo, já alguns não. Eu acho um absurdo, por exemplo, a Rede Globo, a maior emissora do país, com o maior ibope, proibir dentro da redação a palavra PCC. Eles não colocam mais essa palavra no ar. Eles tratam de “quadrilha que atua nos presídios”, como se isso fosse resolver o problema.
Isso é uma coisa controvertida. Eu fiz um debate agora no Rio [a ser publicado nos próximos dias no Observatório] e uma das pessoas, o ex-secretário do Sistema Prisional de lá [Astério Pereira dos Santos], que é veterano, disse que para ele era bom isso, mas ele estava falando do Rio. Disse que os bandidos do Rio são tão carentes, tão miseráveis que eles precisam desse reconhecimento de facções até para crescer um pouco.
F.S. – Eu acho isso um discurso furado de um governo que quer esconder a realidade. Tanto faz São Paulo, Rio de Janeiro. Há quanto tempo existe o Comando Vermelho?
Há trinta anos ou mais.
F.S. – Pois é, se você falar ou não falar deles na mídia, eles vão continuar existindo, trabalhando na calada, nos morros. Sabe aquela história “Quando alguém for seqüestrado nós não vamos dar a notícia”? Você quer coisa mais cômoda para o governo do que se Silvio Santos for seqüestrado a gente não der a notícia? Quer melhor presente para o governo do que esse? Por que não? Porque coloca em risco a vida do homem? Tudo bem, você pode não dar notícias da negociação, para não colocar em risco a vida de quem está seqüestrado. Agora, fingir que não há um seqüestro, omitir da população? [...Referência suprimida a um seqüestro em andamento...] O que a gente ganha com isso? Vamos deixar a população ignorante porque essa sempre foi a função do Estado? Então, eu pergunto: a Globo tratar o PCC como “uma quadrilha dentro dos presídios” ajudou em quê, em resultados práticos? O que a gente conseguiu não falando o nome deles? Não é melhor a gente falar, mostrar para o público que existe, deixar a sociedade saber da verdade?
E cobrar das autoridades...
F.S. – Para as autoridades é absolutamente cômodo. Não se fala mais em PCC, a população pensa que já não existe mais, que ele está fraco, quietinho dentro da cadeia. E você sabe como é a classe média, se estiver na cadeia, se estiver morrendo só lá dentro, tudo bem. O problema é quando sai aqui para fora. Então, se o Estado fingir que essa facção está dominada, que está só lá dentro dos presídios matando um ao outro, é cômodo para eles que enganam a população aqui fora.
Em maio, quando o PCC atacou, todo mundo dizia: “Óóó”. Caiu a ficha. O PCC existia há tantos anos e ainda não tinha caído a ficha da população, porque era coisa de preso, eles que se matem lá e nós não temos nada a ver com isso. Para o governo é interessante continuar fazendo essa falsa imagem. Não faz nem um ano que nós tivemos aqueles atentados terroristas aqui em São Paulo e o PCC tem capacidade para fazer de novo a hora que quiser.
Eu tenho certeza que o que houve foi uma negociação que está em vigência até agora.
F.S. – Com certeza.
Inclusive esse casamento do Marcola, que é controvertido, porque tem gente que diz que é normal, tem gente que diz que é anormal, mas para mim sinaliza acordo, contemporização.
F.S. – É verdade que já se casaram outras pessoas dentro do presídio e o próprio Marcola, é o segundo casamento dele preso. No primeiro, ele estava preso em Araraquara e casou com Ana Maria Olivatto, que também era advogada [ela foi assassinada].
Tudo é uma questão de postura, de ter mão firme ou não. Se eu sou o governo do estado, poderia agir de duas maneiras: deixar o Marcola casar com propagandas nos jornais, deixar a noiva entrar vestida de noiva e dar beijinho na boca, trocar aliança, ou dizer: “Você quer casar, você casa no cartório. Assina o papel e ponto. Isso aqui não é sua casa”. Pode até ser normal, mas nós estamos falando de um líder de uma facção que pôs o dedo na cara do delegado da [Delegacia de] Roubo a Bancos [Ruy Ferraz]. O Marcola falou para o Godofredo Bittencourt, dentro do Deic, quando o Bittencourt foi pedir “Marcola, pelo amor de Deus, vamos parar com esses ataques”: “Sinto muito, doutor, agora não dá mais para voltar atrás”. É desse cara que nós estamos falando.
O argumento que eu ouvi e que me parece muito sério é que pode até ser normal que haja casamentos no sistema prisional, mas que isso não andou saindo nos jornais, como no caso de Marcola.
F.S. – Você lembra de ter visto algum outro casamento nos jornais?
Eu não me lembro.
F.S. – No meu livro, eu conto alguns casamentos, do Geléia, que casou dentro da Casa de Custódia de Taubaté, trocou alianças, mas não era o chefe de uma facção criminosa. Era o Geléia, preso comum e não saiu em nenhum jornal.
Pelo fato de eu ter sido a primeira a denunciar e a colocar no ar, eu passei a ser procurada pelos integrantes do PCC. Durante muitos anos eu falei com vários deles pelo telefone, que é a coisa mais fácil dentro da cadeia. Eu conto esses fatos curiosos, os episódios engraçados, tristes, mas sempre com realidade, nome, data. Só posso te garantir uma coisa: no meu livro, não tem absolutamente nada daquela ficção inicial do secretário. Tudo o que está lá é absolutamente verdadeiro, é absolutamente o que aconteceu, o que acontece. Ele é atual, vai até os ataques de maio. Aliás, até os ataques de maio, julho e agosto do ano passado. Já estou escrevendo o segundo, porque o PCC, como eu previa, continua investindo. E tem material para o segundo livro.

Acessado e disponível na Internet em 17/10/2013 no endereço
http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-gerais/2007/janeiro-2007/reporter-diz-que-autoridades-e-midia-ocultaram-pcc

Ainda não temos um povo à altura do ministro Barroso

Blogs e Colunistas
13/09/2013
 às 4:20

Ainda não temos um povo à altura do ministro Barroso. Ou: A impressionante coleção de vexames do “novato”

Luís Roberto Barroso: O Brasil ainda será merecedor de tal dádiva?
Nesta quinta, Barroso desempenhou um papel um tanto melancólico no Supremo. Já tem uma boa coleção de vexames para vida tão curta na Casa (ainda chego lá). Nesta quinta, ele se excedeu. Acusou os que não votam como ele de aderir ao casuísmo e sugeriu que estão preocupados com as multidões, não em fazer justiça. E o fez num ambiente em que, de modo oblíquo, demonizou também a imprensa. Eu ouvia ali o eco das hostes petistas. Se Delúbio Soares fosse jurista, seria como Barroso. Se Barroso fosse sindicalista, seria como Delúbio Soares. Recebeu uma dura e necessária resposta de Marco Aurélio. Mas quero fazer algumas considerações antes de dar sequência a essa questão. Nota à margem: já escrevi sobre esse truque de criticar a imprensa para se blindar. “Se eu falar mal deles, tentam provar que estou errado e me ignoram.” Pois é. Em muitos casos, funciona. Faço diferente. Quando um homem público fala mal da imprensa, tento provar que ele está certo na espécie, demonstrando por que ele não gosta muito de jornalistas…
Quando Barroso foi indicado ministro, resolvi ler um livro seu. Escolhi “O Novo Direito Constitucional Brasileiro”. Sempre que alguém se jacta de ser porta-voz do “novo”, eu — que, como toda gente, estou no mundo velho (ou alguém já vive o futuro?) — me interesso em saber onde está a novidade. Com alguma frequência, verifico que o que se diz novo não é bom e que o que se pensa bom, na verdade, não é novo. Mas eu estou sempre pronto para o surgimento de vanguardistas como Barroso. Li seu livro e escrevi vários posts a respeito antes mesmo de ele assumir. Os leitores que acompanharam sabem por que não gostei. Os motivos estão lá expostos. Alguns leitores disseram que eu estava sendo precipitado. Como haveria tempo de ele demonstrar que eu poderia estar errado, publiquei o que me desagradava. Até agora, fui apenas premonitório… Pareceu-me, como síntese brevíssima de uma penca de restrições, que Barroso é capaz de exaltar as glórias da tradição quando isso é do seu interesse e de esconjurá-la como expressão do atraso e do reacionarismo quando isso também é do seu interesse. Pareceu-me que ele pode oscilar de um literalismo aborrecido e estreito à interpretação mais lassa dos textos legais. E o que determina o apelo a um extremo ou a outro? Eis a questão.
Confesso que fico sempre com um pé atrás quando um juiz ou um professor de direito ataca o “legalismo”. Nada me tira da cabeça de que se trata de um rompante fora do lugar, porque, parece-me, a determinação de forçar os limites legalmente estabelecidos cabe aos agentes sociais. Um juiz não pode ser militante de uma causa que não seja a da lei. Não raro, os críticos severos do legalismo acenam com um mundo bem mais perigoso, que é o do arbítrio e o da idiossincrasia.
De volta ao caso

Depois de um voto sereno e técnico da ministra Cármen Lúcia; de um não menos técnico, mas muito contundente de Gilmar Mendes, Barroso resolveu pedir um aparte a Marco Aurélio, que também demolia a tese da sobrevivência dos embargos infringentes. E deu início a uma catilinária que, lamento dizer, era nada mais nada menos do que a voz das hostes petistas levadas ao tribunal, até nas críticas indiretas que dirigiu à imprensa. A exemplo dos “companheiros”, parece que o ministro não tem em grande conta o jornalismo — ainda que revele, no tal livro, já ter apelado a favores de conhecidos seus na área (mas deixo isso pra lá agora). Como toda catilinária, esta também era contra alguém — o seu “Catilina” eram todos aqueles que não votaram como ele. Mas Barroso não tem a modéstia de Cícero — por que teria, não é? Assim, aproveitou o ensejo — e isso não é nada raro em suas intervenções, também as por escrito — para se elogiar.
Ao demonstrar como é consciencioso, sério, corajoso e honesto, sem que tivesse sido acusado por Marco Aurélio de coisa nenhuma, disparou:
“Como quase tudo que faço na vida, faço o que considero certo. Sou um juiz que me considero pautado pelo que é certo, correto. O que vai sair no jornal do dia seguinte não faz diferença para mim (…). Fico muito feliz quando uma decisão do tribunal constitucional coincide com a opinião pública. Mas, se o resultado não for (coincidente), aceito a responsabilidade do meu cargo. Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas.”
Ulalá! Na quarta-feira, ao ler o seu voto, não teve dúvida em classificar de “casuísmo” — nada menos! — a rejeição dos embargos infringentes, acusação repetida nesta quinta, com outras palavras. Com mais um pouco de entusiasmo, o ministro lastimaria mais as multidões e o povo do que o Félix da novela quando entra em boteco de pobre. Perdeu a medida. É evidente que, por contraste, acusava, então, aqueles que dele divergiam de estar preocupados apenas “com o que vai sair no jornal no dia seguinte”. Ao fazer tal observação, alinha-se com os brucutus que saem por aí tentando invadir órgãos de imprensa, acusando-os de ser parciais. É o mesmo espírito. Agride também, é evidente, a independência de seus colegas. Ocorre, meus caros, que esse texto de Barroso tem copyright; esse texto é de José Dirceu, é de Rui Falcão, é de Lula; é de Delúbio Soares. Ora… Quem dizia ser surdo à voz da multidão? Barroso? Justo ele? Direi daqui a pouco a razão do meu espanto meramente retórico.
EU, COMO POUCOS, JÁ REPUDIEI JUÍZES QUE OUVEM MULTIDÕES. MAS EU EXECRO AINDA MAIS OS QUE OUVEM OLIGARQUIAS. EU SÓ RESPEITO JUÍZES QUE OUVEM AS LEIS.
Marco Aurélio mandou brasa:

“Vejo que o novato parte para a crítica ao próprio colegiado, como partiu em votos anteriores, no que chegou a apontar que, se estivesse a julgar, não decidiria da forma mediante a qual decidimos. Estimado amigo Luís Barroso, nós precisamos nos completar. (…) Não respondi a Vossa Excelência sobre a crítica que, para mim, não foi velada, foi uma crítica direta, porque achei que não era bom para a instituição a autofagia. (…) Vossa Excelência [referindo-se a Barroso] elogiou um dos acusados”.
Marco Aurélio se referia a um dos momentos mais constrangedores da história do Supremo, quando o novo ministro, ao simplesmente recusar um embargo de declaração da defesa de José Genoino, cantou as glórias de alguém condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha; que foi um dos principais protagonistas de um dos capítulos mais vergonhosos da história do país. Ele que elogie quem quiser. Que crie uma página na Internet para fazer seus panegíricos e confessar seus gostos (Taiguara, por exemplo). Que reúna os amigos num bar — longe da multidão, claro! — para expressar os seus afetos. Fazer, no entanto, o elogio a um condenado por crimes tão graves, por mais meritório que tivesse sido o passado deste (com o que não concordo, deixo claro!), é um acinte, um disparate, uma vergonha. CERTAMENTE O MINISTRO BARROSO NÃO ESTAVA FALANDO PARA SER OUVIDO PELAS MULTIDÕES. A QUEM FALAVA BARROSO QUANDO EXALTOU AS VIRTUDES DO CHEFÃO PETISTA?
Coragem?

Em tribunal em que estão Gilmar Mendes e Marco Aurélio, bater a mão no peito, quando se é Barroso, para dizer que não teme a multidão é prepotência imprudente, como todas. Alguém já viu um desses dois com medo do que vão dizer os jornais, as ruas ou as gangues organizadas na Internet? Ambos já passaram muitas vezes pelo corredor polonês da desqualificação por votar de acordo com o que consideram correto. A independência do “novato” ainda está por ser testada. No Brasil, quando se ocupam determinadas posições de poder, ser “independente” da “multidão” é até fácil; duro mesmo é ser independente dos oligarcas.
Vexames

Barroso fala sempre num tom bastante professoral e parece que bebe diretamente da fonte da sapiência. Mas lhe foi dado ter uma grande ideia no Supremo, e ele, na prática, criou a figura do parlamentar-presidiário sob o pretexto de preservar a competência das Casas Legislativas para cassar seus respectivos membros. Cometido o erro, resolveu corrigi-lo com uma liminar que merece a qualificação de patética: não apenas interferiu, então, num Poder que ele dizia imune ao juízo da Corte nesse particular, como tentou firmar a máxima de que só estariam cassados os mandatos daqueles cuja pena excedessem o que lhes sobrasse de tempo como representantes do povo — criação batizada pelo ministro Gilmar Mendes de “mandato-salame”. Sobra-lhe de imprudência retórica o que lhe falta de prudência técnica.
De volta ao povo
Estou aqui com o seu livro, todo anotado, aberto na página 131. Aquele seu ataque de Félix em boteco de pobre não se ancora no que escreve (ou, então, se ancora, mas de um modo muito particular). O homem que não é reverente a multidões, sugerindo que esse é um mal que atinge seus pares avessos aos infringentes escreve isto:
“O pós-positivismo [e ele ser quer um pós-positivista, tá, leitor?] é uma superação do legalismo não com recurso a ideias metafísicas ou abstratas, mas pelo reconhecimento de valores compartilhados por toda a comunidade. Esses valores integram o sistema jurídico, mesmo que não positivados em um texto normativo específico. (…) Além dos princípios tradicionais como Estado de Direito democrático, igualdade e liberdade, a quadra atual vive a consolidação do princípio da razoabilidade e o desenvolvimento do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Parece que o professor Barroso acha que a “comunidade” tem algo a ensinar ao direito e aos juízes, não e mesmo? Parece que, também no voto sobre os embargos infringentes, ele deveria ter atentado para a questão da razoabilidade…
Ocorre, e já vou começando a concluir, que Barroso tem uma visão muito particular de “multidão” ou, quem sabe?, de opinião pública. O patrocinador das causas do aborto de anencéfalos, da união civil de homossexuais e da permanência no Brasil do terrorista Cesare Battisti (sempre contra o que vai em textos legais, é bom que se diga) parece disposto a acatar não “os valores compartilhados por toda a comunidade”, como escreve, mas aqueles compartilhados por grupos de pressão, que se pretendem a vanguarda do progressismo. A “multidão”, ele despreza como expressão do senso comum e do vulgo (o boteco em que Felix não bebe nem água). Já esses grupos de pressão seriam, sei lá, como forças a educar esse povo xucro que ousa falar em Justiça.
Em suma: ainda falta um povo à altura do ministro Barroso. 
Por Reinaldo Azevedo