*
Juvenal Marques Ferreira Filho
Reza
a lenda, que se a reforma da previdência não ocorrer em breve, o Brasil
quebrará em alguns anos. Vamos devagar com essa estória, até porque os gastos
com previdência social não podem ser eleitos como o maior responsável pela
crise econômica que têm assolado o país. A crise é mundial. Há de se debitar
ainda nessa conta, principalmente, as gestões políticas temerárias, e, o
alarmante nível de corrupção endêmica da nação. Aliás, a julgar pela defesa de considerável
parcela da sociedade, em relação aos recém-condenados na chamada operação Lava
Jato, parece que a espoliação da nação é coisa de somenos importância.
É
indiscutível a necessidade de uma reforma da previdência, até porque há
desigualdades nas aposentadorias, benefícios e pensões custeadas pelas Fazendas,
quer federal ou estaduais.
No
entanto, as propostas apresentadas até agora nivelam por baixo todos os
pagamentos a serem efetuados pela previdência social, mormente dos funcionários
e agentes públicos, como se as contribuições descontadas na fonte desses servidores
se igualasse às contribuições mínimas da iniciativa privada.
Há
muito tempo que os funcionários e agentes públicos têm alíquotas superiores a
10% dos vencimentos, que, somados ao desconto do imposto de renda descontado na
fonte, chegam a subtrair mais de 1/3 dos rendimentos recebidos. O servidor público
não tem FGTS, que rende uma poupança razoável para aposentadoria, nem tampouco
Hora Extra e outros adicionais que protegem o trabalhador da iniciativa
privada.
Para demonstrar um mínimo de
razoabilidade, o texto da reforma previdenciária deveria propor ao menos o teto
equivalente a 10 (dez) salários mínimos, até porque esse teto na retribuição seria devido aos salários
com maior percentual de desconto previdenciário que, segundo a proposta de PEC
apresentada, poderá chegar a 22% em relação à previdência pública. Não digo
benefícios, porque os proventos na inatividade não são ofertados pelo Estado
gratuitamente, são frutos de descontos previdenciários ao longo dos anos.
Os
altos salários do funcionalismo são uma grande falácia, pois excetuados alguns agentes
políticos e servidores que detêm poder de mando nos poderes da república, a
grande maioria dos servidores públicos recebem salários médios compatíveis com os
trabalhadores de funções similares na iniciativa privada, que compõem a grande
massa da classe média.
Nesse particular, os governantes olvidam
que quem sustenta o Estado é a classe média pagadora de impostos, pois, os
pobres poucos pagam, e, os ricos se utilizam das brechas legais para pagarem o
mínimo, quando pagam. Quem sabe um dia, as fortunas sejam taxadas neste país,
aí, talvez, sobre um pouco do salário do trabalhador da classe média para ser
investido.
O
servidor público não enriquece servindo ao país e, quando se aposenta, vive
exclusivamente dos proventos retribuitórios, decorrentes de todas as
contribuições ao longo dos anos.
A economia do Brasil naufragará
irremediavelmente, se extinguir sua classe média com a instituição de
contribuições e impostos confiscatórios, que propiciem a nivelação da pobreza
na população.
A quem
interessa uma previdência social mínima?
Evidente
que as maiores beneficiárias serão as instituições financeiras atuantes no
setor de previdência privada, pois, uma retribuição baixa para o trabalhador,
mormente o público, forçará a busca de contratação de planos de previdência
capitalizada. Nos países chamados ricos, como os EUA, esse sistema até que
funciona bem, em razão de pujança da economia e do imenso capital circulante no
mercado de trabalho, o que permite salários com valores bem superiores aos
pagos no Brasil. O salário mínimo nacional, no entanto, não supre se quer, as
necessidades previstas constitucionalmente, como o trabalhador pagará uma
previdência privada decente?
A título de sugestão, em relação à
capitalização governamental da previdência, poderia se estudar a implantação de
um sistema misto cujo financiamento, consistiria na contribuição solidária dos
trabalhadores, e, a aplicação de parte do capital previdenciário em empréstimos
para o sistema bancário, com juros previamente estipulados, como fazem os
bancos em relação aos seus correntistas. A garantia poderia ser os ativos da
instituição financeira tomadora do empréstimo. O retorno seria menor do que o
investimento na compra de ações na bolsa, mas muito mais seguro.
Em
face da maior expectativa de vida alcançada pela população, nos parece que a
conjugação do tempo de contribuição com uma idade mínima, apresenta uma solução
mais justa para a concessão das aposentadorias.
No
entanto, não se pode deixar de distinguir a temporaneidade em relação a
determinadas profissões, quer pelo risco de morte ou dano à saúde decorrente do
seu exercício, cujo parâmetro deve ser adequado à expectativa de vida desses
trabalhadores.
Nesse diapasão, nos parece justo um
mínimo de 35 (trinta e cinco) anos de contribuições, conjugado com uma idade
mínima, estipulada em tabela profissional específica, elaborada de acordo com a
expectativa de exercício, pleno com saúde, da atividade laboral tabelada, tanto
pelo trabalhador da iniciativa privada, como pelo servidor público. Dessa
maneira se estabeleceria parâmetros objetivos para as aposentadorias especiais.
No
geral para as demais atividades, nos parece que o fator 95, sendo 60 de idade
mínima e 35 anos de tempo de contribuição, seria adequado ao sistema
previdenciário e menos danoso ao trabalhador, do que o proposto na reforma
apresentada, com tabelas de idades progressivas que, no futuro, inviabilizarão
o gozo de aposentadoria. Afinal não basta se aposentar, tem que se viver um
mínimo de tempo razoável, para desfrutar um pouco do que se contribuiu a vida
toda.
Outro ponto crucial é o desprezo ao
pacto federativo, em desacordo com o Artigo 18 da Constituição Federal, com a
inclusão automática e impositiva, das normas federais nas previdências
estaduais e municipais, que poderá ser retomado nas votações no congresso.
É
cediço que nos governos estaduais a grande despesa com funcionalismo está na Segurança,
Educação e Saúde. Ora, são áreas de atuação estatal essenciais para o progresso
de qualquer sociedade organizada.
Não
há como se deixar de investir nessas atividades sem consequências graves em
detrimento do bem estar da população. Isso é indiscutível.
Mas,
se têm tratado esses servidores públicos como objetos de despesas, como se os
equipamentos pudessem desempenhar sozinhos o mister específico dessas
atividades. O servidor público é essencial para o sucesso de qualquer função
estatal específica.
Não
há país desenvolvido no mundo atual, que não tenha investido massiçamente em
educação, saúde e segurança. Nos países de maior IDH, a remuneração de
professores, policiais e médicos é acima da média nacional. Não por simples
distinção, mas, sobretudo, pela magnitude dessas atividades, cujo desempenho,
positivo ou negativo, impacta toda a sociedade.
No
tocante a segurança pública, a crise financeira nacional, importou na
diminuição dos concursos públicos e investimentos nessa área, com sérias conseqüências
nas polícias estaduais. Os reflexos se fizeram presentes nos índices de
criminalidade, talvez não de forma determinante, mas com certeza contribuíram de
forma incisiva no aumento das estatísticas.
Nas
Polícias Civis, além da diminuição drástica, ocorreu o envelhecimento dos
efetivos, em face da das regras vigentes até pouco tempo, que obrigavam o
policial civil, em razão dos baixos salários, a aguardar a idade de 65 anos
para conseguir aposentar com integralidade dos vencimentos. Imaginem a
dificuldade de um policial civil idoso em lidar com criminosos.
Nas
Polícias Militares, também ocorreu à diminuição dos efetivos, mas não o
envelhecimento, em razão das regras diferenciadas para os militares, que
permitem a aposentadoria integral com 30 anos de serviço, independentemente de
idade. Essa particularidade possibilitou a aposentadoria de
policiais militares com 48 anos ou menos, como no caso de oficiais, que
ingressaram na academia a partir dos 16 anos.
Além
disso, houve significativo impacto na folha de pagamento dos Estados, com o sistema
de promoções vigente dos militares estaduais, uma vez que as praças
conseguiram, através de várias leis aprovadas nas respectivas assembleias
estaduais, a elevação nas suas graduações e até promoções ao oficialato, sem a
correspondente formação de caixa para o custeio do aumento salarial decorrente.
Muitos passaram grande parte da carreira
contribuindo para previdência como praças e, por ocasião da passagem para a
inatividade, foram promovidos a oficiais, com considerável elevação de seus
proventos.
Não
bastasse isso, os coronéis da PM de alguns Estados foram agraciados, em
decorrências de leis estaduais, com o acréscimo de 20% em seus proventos na
passagem para a inatividade, contrariando, s.m.j, o § 2º do Artigo 40 da
Constituição Federal.
Essas
distorções, somadas a baixa idade na passagem para a inatividade, causaram um
enorme impacto nas despesas estaduais com a folha de pagamentos, uma vez que a tem
diminuído significativamente a diferença numérica dos policiais militares na
ativa em relação aos inativos, com impacto direto no custeio das aposentadorias. No Estado de São Paulo a Lei Complementar nº 1.150/2011, atualizada pela
Lei Complementar nº 1.305/ 2017,
regula esses benefícios singulares concedidos aos policiais militares.
Talvez, a solução para esses casos
específicos de mudança de graduação ou cargo, sem o respectivo concurso, fosse
a instituição de uma alíquota incidente nos proventos do agraciado para
compensar os sistemas de previdências estaduais.
Em relação às distorções salariais entre
ativos e inativos, parece razoável estabelecer um teto absoluto, onde na
paridade, o inativo não receba proventos maiores do que o servidor em
atividade, que exerça idêntica função, em que se deu a sua aposentadoria ou
passagem para a inatividade.
Os
benefícios de prestação continuada (BCP) são decorrentes de política social,
independentemente de qualquer contribuição por parte do beneficiário,
reconhecidamente vulnerável socialmente. Provavelmente não sofrerão alterações
significativas das praticadas na lei previdenciária vigente.
Não obstante, as necessárias mudanças na
previdência, à questão da proposta para alteração da pensão por morte, não pode
prosperar.
Não é plausível que, após
uma vida inteira de trabalho, com as devidas contribuições recolhidas para a
previdência, o trabalhador padeça com o sentimento de medo do desamparo de sua
família, por ocasião de sua morte.
Presume-se
que o trabalhador aposentado, bem como sua companheira, é pessoa idosa, com
todos os reflexos e vulnerabilidades decorrentes da velhice, mormente os
maiores gastos com saúde.
No entanto, a proposta apresentada
pretende cortar pela metade o valor recebido pelo trabalhador em vida, com a
instituição de uma pensão reduzida para a viúva. O aceno de um acréscimo de 10%
na pensão, por cada filho dependente menor é quase sarcástico. Alguém pode
imaginar um trabalhador aposentado com filhos menores, uma vez que para se
aposentar deverá cumprir, dentre outros requisitos, uma jornada de mais de
trinta e cinco anos de trabalho conjugada com idade superior a sessenta e cinco
anos, com a progressão pretendida de acordo com o aumento da expectativa de
vida do brasileiro?
Acaso
o governo custeará as despesas decorrentes do envelhecimento natural do
pensionista, além das diferenças inflacionárias da economia não cobertas pelos
reajustes da pensão?
E as
contribuições previdências trintenárias ou quarentenárias descontadas do
falecido ao longo dos anos, quem as compensará? A prosperar essa proposta,
estará se legalizando o enriquecimento sem causa do Estado à custa do
trabalhador falecido e em detrimento dos familiares deste.
Por
todas as questões exposadas, a reforma da previdência, embora necessária, exige
uma discussão entre governo e sociedade, sem a imposição de um projeto
extemporâneo, para que ocorra um ajuste financeiro do Estado, mas sem o
sacrifício daqueles que efetivamente produzem a riqueza do país.
_______________________________________________________________
* O autor é bacharel em direito pela
Faculdade Católica de Direito de Santos. Ingressou na carreira policial em 1980
como Soldado da Polícia Militar de São Paulo, onde alcançou a graduação de 2º
Sargento. Em 1989 prestou concurso para o cargo de Investigador de Polícia,
tendo exercido a função até aprovação no concurso de prova e títulos para
Delegado de Polícia em 1994. É autor de vários artigos relacionados à Segurança
Pública publicados em páginas de diversos sites na Internet. Contato por
e-mail: juvenalmarques2010@gmail.com .
**Jun2019 .