Aspectos práticos da Lei nº 12.850 de 02 de
agosto de 2013
Juvenal
Marques Ferreira Filho*
A sanção presidencial à lei nº 12.850/13 trouxe um alento, ainda que
tardio e tímido, para os órgãos encarregados do combate às organizações
criminosas no Brasil. Tardio, porque o projeto ficou sete anos no Congresso
aguardando votação e porque vários países já adotam alguns dos mecanismos
preconizados pela novel legislação há décadas. Tímido porque ainda se sobrepõe
o direito ao sigilo de dados do cidadão suspeito de envolvimento com o crime
organizado sobre o interesse da sociedade na apuração de crimes dessa natureza,
conforme discutiremos adiante.
Apesar dessa timidez, a norma em comento define as organizações
criminosas objetivamente e disciplina a forma de combate, em situações que
anteriormente dependiam de interpretação subjetiva, tanto de órgãos
administrativos em procedimentos próprios, da polícia judiciária na
investigação criminal, como dos juízes que tinham que decidir sobre os casos
concretos submetidos à apreciação do judiciário.
Importante avanço para garantia da legalidade da investigação pela
polícia judiciária e a formação do conjunto probatório no processo é a
definição das autoridades encarregadas da negociação com o delator, a saber: o
Delegado de Polícia e o Ministério Público. Embora a melhor doutrina reconheça
a designação de Autoridade Policial como função específica do Delegado de
Polícia, interpretações equivocadas e até disputas institucionais atribuíram a
meros agentes da autoridade as prerrogativas do Delegado de Polícia. Por
ocasião da edição da Lei dos Juizados Criminais não faltaram àqueles, que em interpretação
canhestra, usurparam as funções da Autoridade Policial atribuindo-a aos
integrantes da polícia militar, cuja atribuição constitucional é a de polícia
administrativa. As várias demandas jurídicas que surgiram em decorrência dessa
usurpação, inclusive com atos editados por secretários de segurança, levaram a
manifestação do Supremo Tribunal Federal a fim de trazer a luz àqueles que
pretendiam flexibilizar o conceito de Autoridade Policial.
A definição objetiva de organização criminosa, a forma de investigação
e de obtenção de prova, a delação premiada, a infiltração de agentes, bem como
o acesso aos dados cadastrais irão proporcionar maior segurança jurídica e
instrumentalização aos órgãos encarregados do combate ao crime organizado,
embora algumas ações previstas possam trazer prejuízo se não forem melhores
disciplinadas. A partir daí analisaremos item por item da lei, não somente sob
o aspecto jurídico, mas, sobretudo, sob o aspecto prático na obtenção das
provas, bem como na segurança dos agentes encarregados da investigação
propriamente dita.
CAPÍTULO I
DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
No Capitulo I há a definição do que é organização criminosa no âmbito
da nova lei, sobre os meios de investigação, abordando inclusive a
territorialidade e a formalização de alguns atos. Assim sendo tipifica condutas
e disciplina materialmente e formalmente procedimentos no combate ao crime
organizado no país.
Art. 1o
Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o
procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas
sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Não houve derrogação do Artigo 288 do Código Penal, que por si só
denota a abrangência específica da nova lei, aplicável a crimes de natureza
grave, com participação de 4 (quatro) ou mais pessoas, operados de forma
organizada e integrada, com vínculo subjetivo para obtenção do fim criminoso
almejado, com divisão de tarefas, ainda que informalmente e hierarquia de
comando.
Entendemos que o vínculo subjetivo não é necessariamente em relação a
toda operação criminosa em andamento, ou seja, seus participantes não
necessitam ter o conhecimento de toda a cadeia criminosa engendrada para a
prática delituosa, basta se ter a consciência que participa de conduta
criminosa integrada com outros membros, ainda que desconhecidos, para obtenção
do fim criminoso. Nesse aspecto é fato relevante que atualmente as organizações
criminosas terceirizam algumas tarefas, principalmente para dificultar a
investigação e a obtenção de provas. O exemplo típico são os sequestros organizados
de pessoas com alto poder aquisitivo, onde são recrutadas quadrilhas para
tarefas específicas, uma para o sequestro, outra para a guarda do sequestrado e
outra para o recebimento do valor da extorsão.
Requisito essencial é que os crimes abrangidos pela novel lei devem
ter penas superiores a 4 (quatro) anos, exceto se houver caráter transnacional
na conduta criminosa, nesta última hipótese, a abrangência da lei não está
adstrita ao quantum da pena, mas sim na circunstância da transposição de fronteiras
nacionais.
§ 2o
Esta Lei se aplica também:
I - às infrações penais
previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no
País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou
reciprocamente;
II - às organizações
terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito
internacional, por foro do qual o Brasil faça parte, cujos atos de suporte ao
terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas,
ocorram ou possam ocorrer em território nacional.
A legislação especial também se aplica às organizações criminosas
transnacionais ou integradas com organizações criminosas de outros países, ou
ainda com organizações terroristas reconhecidas internacionalmente, em que o
Brasil tenha se obrigado ao combate por tratado ou convenção.
As condutas tipificadas se estendem desde os atos preparatórios e de
suporte, inclusive o financeiro, como também atos de execução iniciados ou
consumados em território brasileiro.
Art. 2o
Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por
interposta pessoa, organização criminosa:
Pena - reclusão, de 3
(três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às
demais infrações penais praticadas.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede
ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva
organização criminosa.
A criação, o financiamento ou a participação a qualquer título, ainda
que por interposta pessoa, que se constitua em atividade que integre esquema de
organização criminosa está sujeita as penas dessa lei especifica.
O § 1º estende a incidência da lei a qualquer pessoa que atue de forma
a embaraçar ou dificultar a investigação de organizações criminosas.
A aplicação das penalidades previstas nas condutas tipificadas é na
forma de concurso material de crimes, portanto, sem prejuízo da aplicação das
demais penas pelas condutas criminosas praticadas, conforme se depreende do
expresso no artigo 2º:
.
As qualificadoras para o aumento de pena estão previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do Artigo 2º:
§ 2o
As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver
emprego de arma de fogo.
§ 3o
A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da
organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.
§ 4o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto)
a 2/3 (dois terços):
I - se há participação de criança ou adolescente;
II - se há concurso de
funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a
prática de infração penal;
III - se o produto ou
proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior;
IV - se a organização
criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes;
V - se as circunstâncias
do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
A legislação também penaliza de maneira especial a participação de
funcionário público, mormente se policial, em esquema de organização criminosa,
tendo a lei atrelada à apuração pela Corregedoria de Polícia à participação,
para acompanhamento da apuração, de membro do Ministério Público,
acompanhamento este que não se confunde com direção a do procedimento
instaurado:
§ 5o
Se houver indícios suficientes de que o funcionário público integra
organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do
cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer
necessária à investigação ou instrução processual.
§ 6o
A condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a
perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o
exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes
ao cumprimento da pena.
§ 7o
Se houver indícios de participação de policial nos crimes de que trata
esta Lei, a Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará
ao Ministério Público, que designará membro para acompanhar o feito até a sua
conclusão.
CAPÍTULO II
DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA
Talvez o maior problema seja a disciplina da investigação, pois
questões práticas terão que ser normatizadas com muito cuidado e aperfeiçoadas
no decorrer dos anos, com as lições advindas da efetiva aplicação nos casos
concretos.
Em relação aos meios de obtenção de prova a lei avança, na medida em
que prevê, além dos meios usuais investigativos, a utilização das tecnologias,
que surgiram nos últimos anos, e a união de forças dos órgãos e instituições
das esferas federal, estadual e municipal, conforme disciplina o Artigo 3ª:
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal
serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes
meios de obtenção da prova:
I
– colaboração premiada;
II
– captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos;
III – ação controlada;
IV
– acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais
constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais
ou comerciais;
V
– interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da
legislação específica;
VI
– afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da
legislação específica;
VII – infiltração por policiais, em atividade
de investigação, na forma do art. 11;
VIII – cooperação entre instituições e órgãos
federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações
de interesse da investigação ou da instrução criminal.
Seção I
Da Colaboração Premiada
A delação premiada, disciplinada no Artigo 4º, embora de grande valia
na obtenção de provas, poderá, se não for aplicada com muito critério, incorrer
em graves injustiças e até o livramento de criminosos astuciosos.
Tendo em vista que a redação do Artigo 4º diz que o Juiz poderá, a
requerimento das partes, conceder os benefícios da delação premiada, a dedução
lógica que esses benefícios poderão ser requeridos não somente pelos
interessados no desbaratamento da associação criminosa, mas também, s.m.j.,
pelo Defensor do agente criminoso que se disponha a colaborar. No entanto,
levando-se em consideração o interesse da investigação pela polícia e das
condições para a propositura da denúncia pelo representante do Ministério
Público, cabe a estes, a principio, a iniciativa da proposta. Os critérios
objetivos para a concessão dos benefícios da delação premiada estão nos incisos
do referido artigo.
Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das
partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena
privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo
criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes
resultados:
I
– a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e
das infrações penais por eles praticadas;
II
– a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização
criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes
das atividades da organização criminosa;
IV
– a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa;
V
– a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Nos parágrafos do Artigo 4º temos alguns critérios subjetivos para a
concessão dos benefícios da delação premiada, onde, na prática, poderão ocorrer
problemas, conforme explanaremos na sequência.
§
1° Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade
do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão
social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.
O § 1º elenca para a concessão do benefício à análise da personalidade
do delator, chamado de colaborador pelo legislador, além da natureza, as circunstâncias,
gravidade e repercussão social do crime, bem como a eficácia da delação.
Análises essas de cunho subjetivo e avaliadas pelo negociador, quer seja o
Delegado de Polícia, somente na fase inquisitorial, quer seja o representante
do Ministério Público. Em relação a essa composição sempre haverá o risco da
preponderância do interesse na solução da investigação, no caso do Delegado de
Polícia, ou do interesse do Promotor de Justiça da maior possibilidade de
sucesso na condenação dos demais acusados, em detrimento da realização plena da
justiça. Não esqueçamos que na meritocracia administrativa se leva em conta
apenas os resultados obtidos nas estatísticas, que pertence à ciência da
matemática, e não traduz a distribuição de justiça para as vítimas de crimes e
em última estância para a paz na sociedade. Índices de esclarecimentos de
crimes e de condenações são critérios adotados por órgãos e instituições, que
nem sempre espelham o empenho de seus membros pela realização da justiça na sua
plenitude.
Infelizmente o legislador olvidou de condicionar no parágrafo
analisado a valoração do grau de participação do delator no fato criminoso para
concessão do benefício. Assim sendo, eventualmente um agente criminoso com alto
comprometimento no resultado danoso do crime poderá obter o benefício pela
delação, sem pagar seu débito para com a sociedade, nesse caso, rechaçando o adágio
que prega que “o crime não compensa”. Há
décadas a justiça dos Estados Unidos emprega o sistema de negociação criminal
(Crime Plea Bargain), tanto assim, que várias séries de TV e filmes americanos
têm como enredo injustiças cometidas nessas negociações. A instituição desse
tipo de acordo entre acusado e o representante do persecutor estatal põe de
lado a proteção do Estado garantidor de direitos e, como não poderia deixar de
ser, prevalece o interesse na condenação do maior número de envolvidos no
crime. A título de exemplo, podemos citar o filme CÓDIGO DE CONDUTA, onde o
promotor para atingir o índice de 97% de condenação, propõe acordo com o
principal autor de estupro seguido de duplo homicídio de mãe e filha dentro de
uma residência, quando este se propõe a depor contra seu comparsa que não
participou das mortes. Nessa ficção o algoz que matou mãe e filha, após o
acordo de delação premiada, cumpre pena de dez anos, enquanto seu comparsa
estuprador é executado por injeção letal. Ninguém se engane, pois não é a vida
que imita a arte, e sim, a arte que retrata o cotidiano da vida em sociedade. A vista de que o homem tem defeitos e virtudes
semelhantes em qualquer lugar do planeta, o que já se sucede nos vários países
que há muito se utilizam dessa negociação criminal, também ocorrerá no Brasil.
A avaliação da personalidade do delinquente já é difícil para o
profissional da área médica, quanto mais para o operador do direito encarregado
da negociação. Ademais, infelizmente, as circunstâncias, gravidade e
repercussão do delito, dependem da dimensão que a mídia dá ao caso. Chacinas
nas periferias das cidades são crimes gravíssimos, que quase já não despertam o
interesse da mídia, devido à trivialidade das ocorrências nos bairros pobres,
mas um atropelamento de uma pessoa com familiaridade com alguém da televisão,
pode causar comoção nacional, em face da exploração do fato pela mídia
televisiva. Não sejamos hipócritas em afirmar que todos os crimes praticados
têm o mesmo empenho do poder público no esclarecimento, julgamento e aplicação
efetiva da pena. Talvez assim seja na Suíça.
§ 2°
Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a
qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a
manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz
pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não
tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28
do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.
Quando a colaboração for de extrema relevância, o requerimento, do representante
do Ministério Público, ou a representação, do Delegado de Polícia na fase
inquisitorial, pela concessão de benefício da delação premiada poderá ocorrer
em qualquer tempo. Na eventual discordância do Juiz da causa em relação ao
requerido pelo Promotor de Justiça, aplica-se no que couber o Artigo 28 do
Código de Processo Penal.
§ 3° O
prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador,
poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até
que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo
prazo prescricional.
O § 3º possibilita, em
relação ao delator, a suspensão do prazo para oferecimento da denúncia pelo
Promotor de Justiça, bem como a suspensão do prazo prescricional da pena, até
que haja a consolidação da colaboração requerida para o caso, ou seja, até que
ocorra o efeito desejado na investigação ou obtenção de prova.
§
4° Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de
oferecer denúncia se o colaborador:
I – não for o líder da
organização criminosa;
II – for o primeiro a prestar
efetiva colaboração nos termos deste artigo.
Diz o § 4º que o Ministério Público poderá deixar de oferecer a
denúncia em relação ao delator, desde que este não seja o líder da organização
e seja o primeiro a prestar efetiva colaboração. Novamente o legislador olvidou
de condicionar a valoração do grau de participação nos crimes cometidos. Observe-se
que nessa hipótese, o criminoso delator se quer será processado. Portanto, o
crime terá compensado.
§ 5° Se a
colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade
ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos
objetivos.
O § 5º trata da redução
da pena ou progressão de regime, quando a delação por posterior à promulgação
da sentença, inclusive a transitada em julgado, uma vez que a norma permite a
progressão de regime, que só ocorre na execução da sentença. Evidentemente
nessa hipótese a colaboração deve ser bastante relevante.
§
6° O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a
formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de
polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público,
ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e
seu defensor.
O § 6º estabelece a
equidistância do Juiz em relação ao acordo de colaboração firmado em
consonância com a necessária imparcialidade daquele que tem por ofício julgar a
demanda das partes. No entanto, o parágrafo em questão não disciplina como se
dará essa formalização do acordo de colaboração. Em qualquer negociação sempre
haverá alguém que levará mais vantagem, embora teoricamente, o acordo de
vontades estabeleça vantagens para ambas às partes. Entendemos ser necessária
a criação de normas, elaboradas em conjunto, entre a Polícia Judiciária e o
Ministério Público, a fim de estabelecer a forma e os meios empregados para a
efetivação do acordo de colaboração. A gravação em áudio e vídeo nos parece
essenciais, até para eventual avaliação posterior da espontaneidade da
colaboração por parte do delator, ou correição de eventual desvio de conduta
por alguma das partes.
§
7° Realizado o acordo na forma do § 6º, o respectivo termo, acompanhado das
declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz
para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e
voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na
presença de seu defensor.
Realizado o acordo, o § 7º estabelece a homologação deste, devidamente
acompanhado das peças da investigação, declarações do colaborador e o
respectivo termo de colaboração. Nessa fase o Juiz deverá avaliar a
espontaneidade do delator, bem como o cumprimento dos requisitos formais e os
legais, in casu os de ordem objetiva, pelo menos um dos previstos nos incisos I
a V do artigo em comento.
§
8° O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos
legais, ou adequá-la ao caso concreto.
O § 8º trata da recusa da homologação da proposta que não atenda aos
requisitos legais, s.m.j., os de ordem objetiva. No entanto, apesar do
magistrado não participar da negociação, a hipótese de adequação da proposta de
acordo ao caso concreto, infere que o Juiz pode avaliar os critérios subjetivos
adotados pelos negociadores em relação ao benefício acordado.
§
9° Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá ser ouvido, sempre
acompanhado pelo seu defensor, pelo membro do Ministério Público ou pelo
delegado de polícia responsável pelas investigações.
Homologado o acordo a oitiva do delator, quando necessária para o
deslinde da investigação, deverá ser sempre na presença de seu defensor,
conforme estabelece o § 9º.
§
10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas auto
incriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas
exclusivamente em seu desfavor.
No § 10 há a previsão da retratação da proposta pelas partes, mas
nesse caso as provas produzidas pelo delator não poderão ser utilizadas
exclusivamente em seu desfavor. O tempo e os casos concretos demonstrarão se
esse expediente da retratação não favorecerá manobras da defesa do delator, a
fim de alguma forma livrá-lo de um processo mais robustecido com as provas
excluídas.
§ 11. A sentença
apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.
O § 11 estabelece que os termos do acordo e de sua eficácia devem
constar da sentença. A rigor a sentença sempre deve ser fundamentada,
evidentemente o acordo homologado e sua eficácia não poderiam deixar de ser
apreciado.
§
12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador
poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da
autoridade judicial.
O § 12 impõe ao beneficiado pelo perdão judicial ou não denunciado, o
dever de depor em juízo, se requerido pelas partes, MP e Defensor, ou ainda
pelo Juiz.
§
13. Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos
meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica
similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das
informações.
O § 13 estabelece a forma do registro dos atos de colaboração. Embora
a norma se refira à forma condicional “sempre
que possível”, a gravação por meio audiovisual é a maneira que melhor
provém à segurança jurídica para todas as partes envolvidas.
§
14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará na presença de seu
defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer
a verdade.
O § 14 nos parece inconstitucional, uma vez
que ninguém é obrigado a produzir provas em seu desfavor e o silêncio do
acusado é garantido no inciso LXIII do Art. 5º da C.F., com inspiração no Tratado
Internacional denominado Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como
Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que diz
em seu art. 8º, inciso 2, alínea 'g':
"Art. 8º - Garantias judiciais:
2. Toda pessoa acusada de
um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for
legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito,
em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada
a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada".
Embora a lei preveja
benefícios para o delator, eventualmente a revelação de determinada prova que
possa condenar o delator e o deixe a mercê do alvedrio do negociador o alcance
do benefício a ser proposto, para a defesa pode ser extremamente prejudicial.
Há de ser observar que os benefícios e sua abrangência sempre estarão sujeitos,
em parte, a análise subjetiva do negociador, que eventualmente pode decidir que
as provas fornecidas pelo delator “não compensam” um alcance maior dos
benefícios possíveis. Nessa hipótese o prejuízo para a defesa do investigado ou
do réu pode ser inestimável com a obrigatoriedade da renúncia total do silêncio,
como prevê o parágrafo em comento. Não
se pode olvidar também que, eventualmente, mesmo com a colaboração do delator,
as informações não conduzam as provas desejadas ao final da investigação.
§
15. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o
colaborador deverá estar assistido por defensor.
O § 15 apenas sacramenta o direito constitucional de defesa do
investigado ou acusado.
§
16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador.
O § 16 estabelece que nenhuma sentença será proferida, tendo como
fundamento apenas as declarações do delator. Não podemos esquecer que no
período negro da inquisição, a palavra de uma pessoa poderia condenar outra a
tortura ou morte, estratagema muito utilizado para a defenestração de inimigos
pessoais ou mesmo do regime de governo. Aliás, há quem diga que o “testemunho
pessoal”, puro e simples, desprovido de comprovação é a prostituta das provas.
Art. 5° São direitos do colaborador:
I –
usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II – ter
nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas;
III – ser
conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV –
participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V – não
ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou
filmado, sem sua prévia autorização por escrito;
VI –
cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
O Artigo 5º em seus incisos estabelece alguns direitos do delator, que
na verdade, em se tratando de delação de organização criminosa, são garantias
essenciais para dar o mínimo de garantia de vida para o delator. O grande
problema será a implementação operacional dos incisos I e II. Em países onde se
aplica a delação premiada há décadas, o governo “cria” uma nova identidade,
profissão e sustenta por algum tempo o delator e sua família, compreendida
esposa e filhos, se houver, até que este se estabilize na nova vida. Há
inclusive agentes do governo com a função específica de acompanhar e resguardar
a vida do delator e de sua família. No Brasil onde direitos constitucionais do
cidadão, como saúde e educação de qualidade não são cumpridos pelo governo em
razão de falta de recursos, além é claro da corrupção endêmica que corroem o
orçamento público, nos parece que será mais uma regulamentação aplicada
precariamente.
Art. 6° O termo de acordo da colaboração
premiada deverá ser feito por escrito e conter:
I
– o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II
– as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III – a declaração de aceitação do colaborador
e de seu defensor;
IV
– as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de
polícia, do colaborador e de seu defensor;
V
– a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família,
quando necessário.
O Artigo 6º disciplina a formalização escrita do acordo de delação. Em
relação ao inciso I há de se observar que a redação deverá ser, precisa e
delimitada em seus efeitos, pois, os possíveis resultados da delação, se
condicionais à sua ocorrência, consubstanciará em norma penal aberta, uma vez
que a inocorrência do resultado desejado poderá acarretar prejuízo para o
delator, ou, contrário senso, livrar o agente criminoso de uma punição adequada
a sua conduta, no fornecimento de informações de pouco ou nenhum valor para o
desbaratamento da organização criminosa.
Art. 7° O pedido de homologação do acordo será
sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam
identificar o colaborador e o seu objeto.
§
1° As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao
juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito)
horas.
§
2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao
delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações,
assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos
elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,
devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às
diligências em andamento.
§
3° O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso, assim que recebida a
denúncia, observado o disposto no art. 5°.
O Artigo 7º impõe o sigilo sobre a identidade do delator e os termos
do acordo, com a restrição dos agentes públicos que terão acesso às
informações. No entanto, na prática os funcionários cartorários e colaboradores
diretos das autoridades envolvidas no acordo com certeza terão acesso às
informações, pelo que será necessário um controle eficiente sobre esses
funcionários, a fim de se evitar o vazamento de informações, com prejuízo às
investigações e ao processo, além de evidentemente colocar em risco a vida do
delator.
Seção II
Da Ação Controlada
Art. 8° Consiste a ação controlada em retardar
a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por
organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e
acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à
formação de provas e obtenção de informações.
§
1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente
comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites
e comunicará ao Ministério Público.
§
2° A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter
informações que possam indicar a operação a ser efetuada.
§
3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz,
ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito
das investigações.
§
4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação
controlada.
O Artigo 8º trata da ação controlada, que nada mais é do que o
retardamento da ação da polícia ou de órgãos administrativos na execução de
atos de ofício, tais como autuações administrativas, instauração de
procedimentos ou mesmo da prisão em flagrante. No caso da prisão em flagrante o
complicador é que nos termos do § 1º o Juiz competente para julgamento da causa
deve ser previamente comunicado e, inclusive, poderá estabelecer limites bem
como comunicará ao Ministério Público. Na prática essa condição é inviável, até
porque a flagrância de crime não tem data nem hora marcada e as comarcas não
dispõem de juízes de plantão 24 horas por dia. Há de se lembrar de que com a
edição da lei que instituiu os juizados especiais se esperava o pronto
atendimento, como ocorre nos países europeus, no entanto, em razão das
dificuldades do judiciário, embora com prazo menor, as audiências decorrentes
de infrações de menor potencial ofensivo demoram, em algumas comarcas, meses
para ocorrerem. Será que nessas circunstâncias específicas os tribunais
disponibilizarão juízes e funcionários em período integral para apreciação do retardamento
das ações policiais que envolvam prisão em flagrante delito. Provavelmente o
que ocorrerá na prática é a autorização judicial para o retardamento das ações
policiais, inclusive flagrante, em casos onde haja a investigação em curso. No
entanto, poderão ocorrer situações em que a polícia, no decorrer de suas
atribuições cotidianas, se depare com ocorrência de flagrante delito de crime
operado por organização criminosa, onde não havia investigação ou monitoração
anterior, mas que o retardamento do flagrante poderia propiciar a prisão de
lideranças ou outros criminosos envolvidos que não estejam presentes. O
amadurecimento na aplicação da lei talvez traga solução para essas questões. Os
demais parágrafos tratam do sigilo, acesso e restrição das informações aos
agentes públicos diretamente envolvidos na ação controlada, bem como da
formalização das informações, mas como expusemos no Artigo 7º, na prática
funcionários auxiliares também terão acesso, que exigirá um controle rígido
pelas autoridades do caso concreto, a fim de se evitar danos irreparáveis à
investigação.
Art. 9º Se a ação controlada envolver
transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou
administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos
países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo
a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou
proveito do crime.
O Artigo 9º trata da ação controlada que envolva a transposição de
fronteiras, com a cooperação das autoridades de outros países. O artigo
analisado trata de exigência para se evitar conflitos diplomáticos, pois que o
direito internacional não autoriza um Estado a agir ou intervir no território
de outro. Nesses casos acreditamos que a operacionalização das ações de cunho
policial deverão se dar com a Interpol, até porque em determinados Estados ou
blocos de países como a União Europeia, as polícias possuem, em casos
específicos, uma liberdade e abrangência maior para atuação no combate a crimes
transnacionais operados por organizações criminosas. No Brasil a Polícia
Federal é o órgão integrado à Interpol, que, aliás, nos termos do § 1º do
Artigo 144 Constituição Federal tem por atribuição o combate às infrações com
repercussão internacional:
Art.
144....................................................................................:
§ 1º A polícia federal, instituída por
lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se a:"
I - apurar infrações
penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e
interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim
como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; (grifo nosso).
Evidentemente que nada impede que a Polícia Estadual aja em conjunto
com a Polícia Federal em se tratando de investigação de organização criminosa
de um Estado membro, cujas ações sejam desencadeadas ou tenham repercussão
interestadual ou internacional. O único óbice são disputas entre órgãos ou
instituições envolvidas nas apurações, daí porque acreditamos salutar a edição
de norma para regular as atuações conjuntas dos diversos órgãos e instituições
envolvidos no combate ao crime organizado.
Seção III
Da Infiltração de Agentes
Art. 10. A infiltração de
agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de
polícia, ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do
delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será
precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que
estabelecerá seus limites.
A verdade é que a infiltração de agentes para o desbaratamento de
quadrilhas sempre foi um recurso utilizado pelas polícias de todo o mundo, no
entanto, no Brasil não havia uma norma legal para disciplinar esse tipo de
atividade investigativa. Em face dessa falta de normatização, até marginais já
foram utilizados para o “levantamento” de informações. Há quem diga que no
episódio conhecido como “Castelinho”, teria sido utilizado desse tipo de
infiltração. Verdade ou não, o fato é que a normatização da infiltração de
agentes é primordial para a garantia da realização da justiça na forma da lei,
pois em hipótese alguma “os fins justificam os meios”, como pregam alguns que
se utilizam de artifícios ilegais supostamente em prol da sociedade. Toda
tirania começa com a desculpa que se faz necessário o afastamento das normas
vigentes para se “defender” a sociedade de inimigos, cuja “legislação fraca”
não permite uma ação dentro do ordenamento legal. A lei fraca ou ineficaz deve
ser derrogada na forma prevista na constituição, jamais com infrações dos
agentes públicos ou leniência judicial a fim legitimar a conduta ilegal.
O Artigo 10 disciplina que a infiltração de agentes se dará a pedido
do Delegado de Polícia, através de representação, ou a requerimento do
Ministério Público, sendo que no caso de requerimento com o inquérito policial
em curso, deverá haver manifestação técnica do Delegado de Polícia, que s.m.j.,
deverá explanar em relatório circunstanciado, se há condições e recursos para a
realização da infiltração, o número de agentes necessários, tanto para a
infiltração, como o efetivo de apoio necessário, sempre se levando em consideração
a possibilidade da descoberta do agente infiltrado, as condições técnicas
necessárias para a obtenção e formalização das provas, como gravações de
conversas, interceptações telefônicas e telemáticas, etc. Enfim, a manifestação
do Delegado de Polícia deve ser técnica e minuciosa dentro do que se espera do
profissional com conhecimento específico para esse tipo de investigação e,
eventualmente, apontar a falta de requisito legal para a realização da
infiltração requerida. Entendemos que a simples manifestação lacônica não se
aplica ao espírito da norma em comento, uma vez que esta servirá de subsídio
para a decisão do juiz, que deverá ser devidamente fundamentada e com o sigilo
necessário ao êxito da investigação e segurança do agente infiltrado.
§ 1º Na hipótese de
representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de decidir,
ouvirá o Ministério Público.
O § 1º estabelece que no caso da representação do Delegado de Polícia,
o Ministério Público será ouvido, antes da decisão do Juiz competente, que deve
decidir conforme seu livre convencimento.
§ 2º Será admitida a
infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se a
prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
A infiltração só é admissível em caso de indícios de infração cometida
por organização criminosa, definida nos termos do Artigo 1º e, se não houver
outros meios de produzir a prova requerida para o caso. A redação do § 2º
demonstra que não é admissível a banalização desse recurso.
§ 3º A infiltração será
autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais
renovações, desde que comprovada sua necessidade.
O § 3º estabelece que o prazo da autorização para a infiltração é de
até seis meses, no entanto permite a renovação do prazo, desde que comprovada
sua necessidade. Essa brecha para
renovações pode ser perigosa. Evidente o perigo de um agente permanecer por
muito tempo infiltrado. O risco envolvido é muito grande para sua segurança,
como também para seu estado psicológico. Estamos tratando com seres humanos e
não com máquinas. Há um limite para tudo, e nesse caso específico, o prazo pode
se estender por anos. O caso clássico são os inquéritos policiais com prazo de
apuração de trinta dias renováveis com autorização judicial, sempre ouvido o
MP. Quantas dessas apurações não se estendem por anos para depois serem
arquivadas.
§ 4º Findo o prazo previsto no
§ 3º, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que
imediatamente cientificará o Ministério Público.
Após o término do prazo judicial para a infiltração, o Delegado de
Polícia deverá elaborar relatório circunstanciado dos fatos apurados endereçado
ao Juiz competente, que dará ciência ao Ministério Público.
§ 5º No curso do inquérito
policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o
Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade
de infiltração.
O § 5º estabelece o necessário controle no curso do IP, pelo Delegado,
ou a qualquer tempo pelo MP, do necessário controle sobre a atividade de
infiltração.
Art. 11. O requerimento do
Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração
de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das
tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas
investigadas e o local da infiltração.
O Artigo 11 estabelece que o requerimento do MP, ou a representação do
Delegado de Polícia deverá detalhar a necessidade da infiltração, o objetivo
pretendido e as pessoas a serem investigadas.
Art. 12. O pedido de
infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações
que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será
infiltrado.
O Artigo 12 trata do sigilo na distribuição do pedido de infiltração,
de forma a resguardar a operação e o agente que será infiltrado.
§ 1º As informações quanto à
necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz
competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após
manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de
polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das
investigações e a segurança do agente infiltrado.
O § 1º estabelece o prazo de 24 horas para apreciação do pedido e não
oferece dificuldade na sua interpretação. No entanto, dificilmente esse prazo
será cumprido por razões já expostas na análise do Artigo 8º.
§ 2º Os autos contendo as
informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério
Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação
da identidade do agente.
O § 2º trata dos autos com as informações da operação de infiltração,
que acompanharão a denuncio do MP, quando então a defesa poderá ter acesso,
assegurada à preservação da identidade do agente. Provavelmente surgirão
questionamentos da defesa em relação à identificação do agente infiltrado, como
surgiram no passado em relação à identidade da testemunha protegida. No
entanto, a preservação da identidade do agente infiltrado é de rigor para a
segurança da vida deste e não importa em qualquer prejuízo para a defesa, uma
vez que seu papel é contestar a acusação e as provas carreadas.
§ 3º Havendo indícios seguros
de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada
mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se
imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.
O § 3º diz respeito à sustação da operação, em caso de risco iminente
ao agente infiltrado, quer seja por requisição do MP ou pelo Delegado de
Polícia, nesse último caso com a devida ciência imediata ao MP e ao Juiz
competente. Evidentemente, que nessa circunstância o Delegado de Polícia deve
agir imediatamente para posteriormente cumprir as formalidades legais, uma vez
que está em risco a vida do agente infiltrado.
Art. 13. O agente que não
guardar, na sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da
investigação, responderá pelos excessos praticados.
Parágrafo único. Não é punível,
no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da
investigação, quando inexigível conduta diversa.
O Artigo 13 estabelece a proporcionalidade da atuação do agente
infiltrado nas condutas que tenha que praticar durante o período de infiltração
na organização criminosa. O fato de estar infiltrado não pode servir de carta
branca para a prática de conduta criminosa, no entanto, o fato é que,
eventualmente terá que participar de infrações penais, quer seja para ganhar
confiança dos investigados, quer para resguardar sua vida, uma vez que se
descoberto o risco de morte será iminente. Não raras vezes os agentes que
investigam o tráfico de entorpecente são obrigados a participar do consumo de
drogas para ganhar a confiança dos investigados. Razão pela qual entendemos que
o período de infiltração não deve se prolongar no tempo, até para a garantia da
saúde física e psicológica do agente. A prática eventual de crime pelo agente
infiltrado, que este não tenha como evitar para resguardar sua identidade e, em
consequência, sua integridade física não será punível, desde que não se
possa exigir conduta diversa, conforme estabelece o parágrafo único. As
excludentes poderão ocorrer em várias situações como a coação moral
irresistível (excludente de culpabilidade), estado de necessidade para
salvaguardar sua vida (excludente de ilicitude), ou seja, sempre que não se
possa exigir conduta diversa nas condições em que se encontrava o agente na
ocasião da prática da conduta criminal.
Art. 14. São direitos do
agente:
I – recusar ou fazer cessar a
atuação infiltrada;
II – ter sua identidade
alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807,
de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a
testemunhas;
III – ter seu nome, sua
qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas
durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial
em contrário;
IV – não ter sua identidade
revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua
prévia autorização por escrito.
O Artigo 14 prescreve os direitos do agente em relação à infiltração,
como o de recusar ou cessar a atuação, ter sua identidade preservada e
inclusive a alteração de seus dados e registro civil conforme dispõe a Lei nº
9.807/99 que regula o programa de proteção a testemunha.
Seção IV
Do Acesso a Registros,
Dados Cadastrais,
Documentos e Informações
Art. 15. O delegado de polícia
e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial,
apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a
qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral,
empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e
administradoras de cartão de crédito.
Embora com redação mais explícita do que a do § 2º do Artigo 2º da Lei
nº 12.830/13, que trata da requisição de informações e dados que digam respeito
à investigação conduzida pelo Delegado de Polícia, o acesso aos dados
cadastrais, independentemente de autorização judicial, previsto no Artigo 15
nos parece tímido, até porque o banco de dados do SERASA é acessado por
qualquer associado, com CNPJ que pague a taxa de consulta. Faltou uma previsão
importantíssima qual seja o acesso, em tempo real, sobre a utilização de
cartões de créditos e movimentação financeira. Não estamos falando de acesso a
valores movimentados, mas sobre as informações referentes à localização e a
forma da operação financeira realizada. Esse tipo de dado não somente seria de
valor inestimável na investigação e prisão de integrantes de organizações
criminosas, quer na prática de crimes como sequestro, como também no monitoramente
da movimentação física de investigados, com antecipação até de eventual fuga.
Art. 16. As empresas de
transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso direto e
permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de
reservas e registro de viagens.
Art. 17. As concessionárias de
telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, à disposição
das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números
dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais,
interurbanas e locais.
Os Artigos 16 e 17 são redundantes e tratam do acesso aos bancos de
dados cadastrais das empresas de transportes, concessionárias de telefonia, que
devem ser disponibilizados pelo prazo de cinco anos. O acesso previsto
independe de autorização judicial e deve ser de maneira direta e permanente.
Portanto, se prevê a colaboração direta dessas empresas com as autoridades
integradas na investigação.
Seção V
Dos Crimes
Ocorridos na Investigação e na Obtenção da Prova
Art. 18. Revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem
sua prévia autorização por escrito:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3
(três) anos, e multa.
Art. 19. Imputar falsamente,
sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa
que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização
criminosa que sabe inverídicas:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.
Art. 20. Descumprir
determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a
infiltração de agentes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4
(quatro) anos, e multa.
Art. 21. Recusar ou omitir
dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz,
Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do
processo:
Pena – reclusão, de 6 (seis)
meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena
incorre quem, de forma indevida, se apossa, propala, divulga, ou faz uso dos
dados cadastrais de que trata esta Lei.
Os Artigos 18, 19, 20 e 21 tratam da tipificação de condutas
decorrentes revelação indevida da identidade de colaborador, da desobediência
ou obstrução da investigação e obtenção da prova.
Há de se destacar o Artigo 18, não somente pela falha grave em não se
penalizar a revelação da identidade do agente infiltrado, mas tão somente a do
delator, como a pena pífia para uma conduta que na prática pode implicar na
sentença de morte para a pessoa exposta. As penas previstas são
insignificantes, pois na verdade, em face do quantum previsto, ninguém será
preso pelas condutas tipificadas.
CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 22. Os crimes previstos
nesta Lei e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento
ordinário previsto no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal, observado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. A instrução
criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a
120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual
período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da
causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.
O Artigo 22 estabelece o rito ordinário, de acordo com o Código de
Processo Penal vigente, e, no parágrafo único, prevê o prazo máximo de
encerramento da instrução criminal de até 240 dias, no caso de prorrogação
fundamentada, que na prática, dadas as circunstâncias do excesso de processos
judiciais, carência de juízes e falta de funcionários, deve ser a regra. O
artigo 8º da Lei nº 9.034/95 (anterior lei de combate à organização criminosa)
estabelecia o prazo de 81 dias para réu preso e 120 dias se o réu estivesse solto.
Art. 23. O sigilo da
investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para
garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias,
assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos
elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,
devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às
diligências em andamento.
Diz o Artigo 23 que o sigilo poderá ser decretado pela autoridade
judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências
investigatórias. Parece-nos evidente que, em se tratando de organização
criminosa, não há como se proceder a investigação sem o devido sigilo
decretado, pois que essas organizações possuem capacidade de ocultar ou
destruir provas, inclusive testemunhais. Não raramente contam com rede de
informantes e colaboradores no âmbito do poder público. O acesso do defensor
aos elementos de provas que digam respeito à defesa de seu cliente deve ser
precedido de autorização judicial, com exceção às diligências em andamento. O
sigilo previsto com certeza será contestado judicialmente pela defesa se essas
diligências investigatórias se prolongarem ou ocorrerem, após a denúncia do MP,
pois, s.m.j., o principio constitucional da ampla defesa será restringido. Uma vez que o Artigo 3º prevê, dentre outros
meios de obtenção de prova, a delação premiada em qualquer fase da persecução
penal, eventualmente, essa colaboração poderá ocorrer depois da instrução
encerrada ou até mesmo com a sentença prolatada, com os benefícios do Artigo
4º.
Parágrafo único. Determinado o
depoimento do investigado, seu defensor terá assegurada a prévia vista dos
autos, ainda que classificados como sigilosos, no prazo mínimo de 3 (três) dias
que antecedem ao ato, podendo ser ampliado, a critério da autoridade
responsável pela investigação.
O § único garante o tríduo para o defensor do investigado preparar seu
cliente para o depoimento. O prazo poderá ser ampliado, a critério da
autoridade responsável pela investigação, que deve levar em consideração a
complexidade e volume das provas a serem analisadas para a preparação da
defesa. Tendo em vista o direito de acesso às provas pela defesa do
investigado, a oitiva deste deve ocorrer ao final das investigações, para não
comprometer a cabal apuração dos fatos.
Art. 24. O art. 288 do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar
com a seguinte redação:
“Associação Criminosa
‘Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim
específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3
(três) anos.
Parágrafo único. A pena
aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de
criança ou adolescente.’”(NR)
O Artigo 24 alterou a redação do artigo 288 do Código Penal, que
anteriormente exigia mais de três pessoas para sua configuração. O § único
anterior do artigo alterado previa a majoração da pena, em caso de uso de arma.
A partir da vigência desta lei, o parágrafo em comento permitirá ao juiz o
aumento de até metade da pena, se a associação criminosa tiver a participação
de criança ou adolescente. Novamente o legislador foi tímido na majoração da
pena para criminosos que arregimentam crianças ou adolescentes para o
cometimento de delitos, prática muito comum na atualidade à vista da
imputabilidade penal prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 25. O art. 342 do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar
com a seguinte alteração:
“Art. 342.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a
4 (quatro) anos, e multa.
”(NR)
O Artigo 25 aumentou a pena prevista para o crime de falso testemunho,
que anteriormente era de 1 a 3 anos.
Art. 26. Revoga-se a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995.
Revoga-se expressamente a lei anterior que
tratava sobre investigação de organização criminosa.
Art. 27. Esta Lei entra em vigor após decorridos 45 (quarenta e cinco)
dias de sua publicação oficial.
O artigo 8º, § 1º da Lei Complementar nº 95 de 1998, prescreve que a
contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de
vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do
prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Assim
sendo, no prazo da vacatio legis, conta-se a data da publicação
(inclusive) e a data do último dia, com vigência a partir do dia seguinte desse
prazo, portanto, a lei em comento, publicada no DOU de 5/08/2013, entrará em
vigor no dia 19 de setembro do corrente ano.
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* O autor é bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de
Santos. Ingressou na carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia Militar
de São Paulo, onde alcançou a graduação de 2º Sargento. Em 1989 assumiu o cargo
de Investigador de Polícia, tendo exercido a função até aprovação no concurso
para Delegado de Polícia em 1994. É autor de vários artigos relacionados à
Segurança Pública publicados em páginas de diversos sites na Internet. Contato
por e-mail: juvenalmarques2010@gmail.com .