MENSAGEM

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terça-feira, 30 de julho de 2013

Em entrevista, policiais revelam como agem os grupos de extermínio em SP

22/07/2013 4:16 pm
Exclusivo: Em entrevista, policiais revelam como agem os grupos de extermínio em SP
Agentes afirmam que esquadrões de morte são organizados por policiais de “patente alta” e há envolvimento de políticos
Por Igor Carvalho
Dois policiais militares foram convidados a participar de grupos de extermínio que se organizam dentro da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Ao recusar o convite, passaram a ser perseguidos dentro da corporação. P1 e P2, como serão chamados nessa matéria, estão ameaçados de morte, sofrem com escalas desumanas de trabalho e seguem isolados dos demais companheiros.
(Marcelo Camargo/ABr)
P1 e P2 aceitaram falar, sob condição de anonimato, com Fórum. Foram necessários três encontros sem qualquer entrevista gravada, apenas negociando. Somente na quarta reunião, em um local reservado, no interior de São Paulo, os agentes decidiram falar. Foram mais de três horas de entrevista, com acusações que revelam uma estrutura corrompida e precária da Polícia Militar.
Os agentes afirmam que os oficiais de “patente alta” são responsáveis pela imagem ruim da corporação. Para P1 e P2, a perseguição a cabos, soldados e sargentos é equivocada.  Os assassinatos feitos por encomenda e o envolvimento com comerciantes, para prestação de serviços de segurança, tem aval de policiais de alta patente. “A coisa é grande, é gente grande, tem político envolvido no meio.”
Os números mostram que ações violentas fazem parte do cotidiano das polícias paulistas. De 2001 até 2011, policiais em serviço ou em folga foram responsáveis pela morte de 6.809 pessoas, no estado de São Paulo. A cifra é quase o dobro do total de civis mortos por agentes americanos em todos os estados dos EUA no mesmo período. Os índices fizeram com que, em maio de 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugerisse ao Brasil a extinção da Polícia Militar.
Em 2012, 547 pessoas foram assassinadas em confronto com a Polícia Militar no estado de São Paulo. Os casos são registrados com o “auto de resistência seguida de morte”. “Está tão na cara que não é verdade, que não tem mais quem acredite. Se os oficiais inventarem esse teatro para se proteger nada acontece”, afirma P2, sobre os autos. Além dos números oficiais, há uma quantidade grande de homicídios que também podem ser responsabilidade degrupos de extermínio.

Confira a entrevista abaixo:
Fórum - Existe grupo de extermínio dentro da PM, no estado de São Paulo?
P1 - Sim, existe.
Fórum - Como operam esses grupos?
P1 - Como posso falar? Existem vários interesses que vem desse pessoal, dos comandantes, de querer algo em troca. É muita autoridade que dão para eles. Ou seja, ele comanda uma área, essa área é subordinada a ele, que é o chefe, passa atribuições, passa tais serviços e coloca você para trabalhar para outras pessoas. É ele que vê para onde a viatura vai ter que se deslocar, quem vê em quais comércios as viaturas vão ficar. Se você for contra os ideais do comando, é colocado em um pelotão em que vai ter que fazer alguns serviços desumanos, questão de horas de serviço, a sua escala vai ser pior, é um jogo mental. As pessoas que fazem o que eles [comandantes] querem, tem melhor escala, se tornam protegidos.
Fórum- Fazer o que eles querem, é participar de grupos de extermínio?
P1- Isso. Se for o caso, se for chamado para isso. Se você vê alguma coisa e delatar, sua família e você vão correr risco também.P2 - O que você quer saber é o seguinte: Tudo começa com os oficiais, não com a gente aqui embaixo. São oficiais, grandões. Quem comanda isso é gente de patente alta, todo mundo está enganado. Todo mundo só averigua soldado, cabo, sargento e até um tenente, mas não é, é coronel, é capitão e major. A coisa é grande, é gente grande, tem político envolvido no meio.
Fórum - Que tipo de político está envolvido no meio?
P2 - Você quer um exemplo? Na minha unidade tem um sargento que é o capanga de um político, ele é o testa de ferro dele. Esse cara se tornou o escalante na minha unidade, ele coloca a viatura aonde quer. Se os caras vão fazer algum tipo de serviço sujo em determinado local, ele tira a viatura dali e coloca em outro lugar.
Fórum - “Se os caras”? Quem são os “caras”?
P2 - Oficiais. Capitão e major. Ou mesmo o político. Então, é isso que acontece, só gente grande. Se nós fizermos algo, acabou pra gente, estamos numa situação de escravidão. Eu e o colega [outro policial presente na entrevista] estamos numa situação de escravidão. Estamos passando justamente o que você está perguntando, se a gente não participa [grupos de extermínio], a gente não presta.
Fórum - Vocês já participaram?
P2 - Não e não quero.
Fórum - O que acontece com quem se recusa a participar dos grupos de extermínio?
P2 - Sofre como estamos sofrendo: tortura psicológica, escalas, eu fui trancado numa sala, fui trancado por um sargento, porque estou afrontando um oficial, e ele é o braço direito desse oficial.
Fórum - Mas já te intimaram a participar desses grupos?
P2 - Já. Você não tem noção do que é isso aí, é uma máfia, pior do que o PCC. Você não tem noção do que é isso aí por dentro.
Fórum - Que tipos de interesses estão por trás desses grupos?
P1 - Começa com uma coisa de injustiça. Os policiais percebem que estão fazendo a coisa certa, mas os bandidos estão sempre saindo pela porta da frente. Aí começa o seguinte, a pessoa quer fazer justiça com a própria mão, aí a pessoa perde aquele ideal de proteção à sociedade e passa a oferecer perigo. Tem o envolvimento com o comércio, se torna um negócio, porque o cara tá precisando de um “serviço” e falam “ah, tem um cara aí que faz”, aí o cara já matou 10, 12, 15, começa a se tornar esse comércio de vidas.
Fórum - Estamos vendo chacinas nas periferias da cidade e na Grande São Paulo. Não me parece que a motivação seja só comercial.
P2 - Aí o problema é social e de governo. O governo tem autoridade para dar aumento para os “polícia”, dar rádio, armamento, comunicação, mas ele não faz. O governador não gosta de polícia, ele só pisa em polícia. O “polícia” está na rua imprensado, o povo não gosta de polícia e o governo não ajuda, é confronto direto, o que o camarada faz? “Não tem jeito, vou ter que partir para aquilo, vou ter que fazer”, e aí começa. Mata um, mata dois, mata dez.
Fórum - Ganha gosto em matar?
P2 - Tem gente que mata por gosto e tem gente que mata por necessidade. Veja bem: esse sargento que eu falei corre com gente errada, vagabundo e político. Aí ele ganha poder e ameaça os policiais da corporação. Chega na gente e fala: “Você tem filho e você tem pai, vou te matar”. “Ah, o senhor vai matar?”. Antes de o cara me matar, eu mato ele. Aí começa. Aí é um negócio que não para mais, porque aí você precisa matar outro, e outro, e não para mais. E tem aqueles que fazem por dinheiro. Esse sargento ameaçou de morte onze pessoas, tem uma firma em que o cara contratou ele. Funciona assim, o dono da empresa não quer pagar os direitos dos funcionários, ele contratou uma policial feminina e um policial, e eles foram nessa firma. Tem uma sala para eles, eles foram fardados e de viatura. O sargento recebe os funcionários, coloca a arma na cabeça e fala: “Se você não pedir a conta, eu mato você”, e ele mata mesmo. Esse cara não trabalha na rua, trabalha “interno”.
Fórum - Porque vocês acham que morre tanto negro na periferia?
P1 - O que acontece é o seguinte, a Polícia Militar de São Paulo é uma instituição forte, em que todo mundo tenta cumprir o certo. Isso que está acontecendo são pessoas de má índole que estão querendo acabar com a instituição. Mas veja bem, quem teria que fazer as coisas, não faz, foram lá fazer acordo com o PCC, com o Marcola. É uma instituição que tem como melhorar, mas as pessoas de patente alta não ajudam, não é todo mundo, não podemos generalizar.
Fórum - Como atua um grupo de extermínio?
P2 - Os “patente alta” têm uma equipe deles, de Força Tática, de RP, ou de Administração, eles têm os caras de confiança. Então, o que acontece, ele é o escalante, coloca uma viatura onde quiser, sai e manda o pessoal fazer o trabalho e tira as viaturas de perto.
Fórum - Então, se determinado oficial quer fazer uma ação em determinada área, ele tira as outras viaturas da região para poder atuar?
P2 - Isso. Mas é só nego grande, não é gente pequena. Sargento é pequeno, essa máfia é coisa pesada.
Fórum - O que vocês sentem, quando veem a forma como a Polícia Militar vem sendo tratada, com tanto descrédito?
P2 - Eu sinto pena, porque entrei na polícia para ser polícia, não vagabundo, vagabundo tem demais na rua. Então, assim, estou indignado porque o certo é errado, e o errado é certo e isso está prevalecendo, ou seja, estou sendo acusado por oficiais de fatos que não cometi, não tenho como provar, estou dependendo de advogados, pagando esses advogados.
Fórum - Tudo isso porque não quis participar desses…
P2 - É. Eu fiz o certo, fiz tudo que está na lei, afrontei um oficial grande, que não gostou de minha atitude. Estou sendo perseguido, humilhado, não tenho escala, sem ambiente social, estou sendo ameaçado e passando necessidade na minha casa.
Fórum - Quando o governador do estado coloca alguém que já comandou a Rota e que tem algumas mortes nas costas, para comandar a Polícia Militar, vocês sentem que, de alguma forma, quem está dentro pode entender que é uma carta branca para matar nas ruas?
P2 - De todo jeito tem [essa carta branca], com ou sem ele.
Fórum - Existem grupos de extermínio fora da capital e Grande São Paulo?
P2 - Sim, mas a maior pegada é na Baixada Santista, a Baixada é pior.
Fórum - A corregedoria e a Polícia Civil investigam o que acontece internamente, na Polícia Militar?
P2 - Só soldado e cabo. Foi o que eu falei, se eles fizessem um pente fino nos oficiais, vocês iriam se surpreender, não têm noção do que acontece ali dentro.
P1 - Vocês sabiam que em 2006, quando começaram os ataques do PCC, os oficiais alugaram quartos em um determinado hotel de Sorocaba e ficaram se protegendo lá, enquanto que o policial e sua família estavam morrendo?
P2 - Presta atenção em algo: o governo quer colocar a população contra a PM. Ele quer, não, está conseguindo fazer isso.
Fórum - Como fica o policial que tenta ser correto, ao ver tantos policiais que estão morrendo na rua?
P2 - Revolta. É desmotivação.
P1 - Seus ideias começam a se perder. Como vou dar segurança para a sociedade, se estou correndo risco de morrer? Começa a ocorrer uma guerra interna na corporação. Pô, você sai para fazer o patrulhamento e a cabeça fica pensando na mulher que tá em casa, no filho na escola.
Fórum - Qual o perfil do policial que atua em grupos de extermínio?
P1 - Calmo, bem sossegado, você nem imagina que ele seja capaz de fazer esse tipo de coisa.
P2 - E é oficial, patente alta.
Fórum - Se não partir do governo ou da Secretaria de Segurança Pública, não haverá mudança?
P2 - Não terá. Ou o governo limpa o alto escalão da PM, ou vocês não vão conseguir acabar com os grupos de extermínio. Tudo vem de lá, lá de cima. Ou limpa-se o alto escalão da PM, ou não haverá jeito.
Fórum - Nunca houve, dentro da unidade, uma tentativa de denunciar e se levantar contra tudo isso?
P1 - Estamos sufocados, não tem como. Se você abrir a boca, vai para o Presídio Romão Gomes, direto.
Fórum - Vocês pensam em sair da polícia?
P2 - Várias vezes.
P1 - Bastante.
Fórum - E porque vocês ficam?
P1 - É a vontade de fazer o correto, ainda acredito no ideal da Polícia Militar. A coisa mais gostosa do mundo é quando alguém está passando uma necessidade e você pode ajudar, aí depois a pessoa te procura e agradece pelo que fez.
P2 - Para que você tenha uma ideia do que estamos sofrendo. Você já pesou na balança que o que esses oficiais querem é a mesma coisa que o PCC quer? Você já parou para pensar que os policiais que morreram é tudo praça? Não tem oficial. Por que? O que nos chegou é que o acordo determinava que morressem somente praças (patentes baixas) e em dia de folga. Sabe por que? Para o governo não pagar os R$ 100 mil que a família tem direito, porque se morrer fardado tem que pagar o seguro que é R$ 100 mil.
Fórum – O comando da Polícia Militar, hoje, faz parte desse contexto do crime organizado em São Paulo?
P2 - Ele é o cabeça do crime organizado. É simples: o comandante da Polícia Militar, como ele visa lucro? Multa. A Rodoviária (Polícia) tem uma meta de multa, se não fizer aquele número ele tá fodido. Se não fizer, é cana.
Fórum – Vocês identificam que no comando da Polícia existem pessoas que enriqueceram em um nível que não é compatível com o que ganham?
P2 - (risos) Um monte.
P1 - Eles têm motorista particular. Tem notebook, celular, Nextel, carro, que ganham de parceiros, tudo de graça.
Fórum – O que vocês pensam da Rota?
P2 - É um mal necessário. Porque o governo descambou, desmoralizou a Polícia Militar. A Rota chegou ao extremo, em sua atuação, devido ao comando. O governo usa a Rota como se fosse escape, perdeu o controle.
Fórum – A PM é treinada para proteger ou matar?
P2 - Hoje, para porra nenhuma. Nem treinamento temos, nem bota para trabalhar eu tenho.
Fórum – O Tribunal de Justiça Militar intimida alguém? Como é a atuação do TJM?
P2 - Só tem coronel lá dentro. Qual deles tem curso de Direito? Alguém é promotor ou juiz lá? Quantos policiais inocentes, que não quiserem pertencer a máfia foram parar lá e eles condenaram? Para que existe isso, esse TJM? Para o alto comando não existe lei, a lei é eles. Eu quero saber porque oficial não é mandado embora da PM quando comete um crime? Porque o soldado é expulso e condenado, enquanto o oficial é transferido?
Fórum – O auto de Resistência Seguida de Morte está sendo usado da forma correta ou banalizou?
P1 - Até a gente lá dentro desconfia.
P2 - Está tão na cara que não é verdade, que não tem mais quem acredite. Se os oficiais inventarem esse teatro para se proteger, nada acontece. Porque a corregedoria da Polícia não investiga policiais? Oficial ganha R$ 20 mil por mês? Ganha carro? Eu soube que oficiais ganharam carros da Honda. Por que a corregedoria não bate pesado lá em cima?
 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Segurança deixa ações e promessas no papel

GAMESP

Das 8 medidas propostas pelo gabinete no início do ano, apenas 2 foram efetivadas



24/07/2013 - 05h00 | Luciana Félix
luciana.felix@rac.com.br



Foto: Cedoc/RAC
Prédio onde seria implantada a Segunda Delegacia Seccional até o final do ano, agora, sem data definida
Prédio onde seria implantada a Segunda Delegacia Seccional até o final do ano, agora, sem data definida
A maioria das ações do Gabinete de Segurança da Região Metropolitana de Campinas (Gamesp), criado no início do ano para o enfrentamento da violência na região, continua no papel. Das últimas oito promessas feitas, só duas foram efetivadas pelo grupo, que tem como principal articulador o secretário adjunto da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP), Antonio Carlos da Ponte. Além disso, a reunião marcada para acontecer na última segunda-feira foi ignorada pelo Estado. De acordo com a SSP ainda não há uma data definida para o encontro acontecer. A estimativa é que ele seja feito apenas no início de agosto.

Não é a primeira vez que o Estado protela a reunião que busca medidas de enfrentamento à violência na região. Depois do grupo ser anunciado no mês de fevereiro, levou 41 dias para que houvesse a primeira reunião. E ela só ocorreu depois que o Correio publicou reportagem, no mês de abril, mostrando que o Estado havia esquecido as discussões sobre segurança na região.

Apesar de três reuniões terem ocorrido, em quase cinco meses desde sua criação, poucas ações saíram do papel e foram efetivadas pelo grupo.


Último encontro
A última reunião do Gamesp ocorreu no mês de maio na Prefeitura. Na data foram anunciadas algumas medidas entre elas, o início da regionalização de concursos públicos para a Polícia Civil — que deve aumentar o número de policiais da corporação, que é um dos maiores gargalos da área de segurança da cidade — e a compactação de veículos apreendidos e esquecidos nos pátios dos municípios. As medidas foram anunciadas pelo secretário adjunto da SSP, que é o responsável por fazer as articulações entre governos estadual e municipal. Porém, já se passaram quase dois meses e não há sinal de que essas medidas serão tomadas.

Segundo a assessoria de imprensa da secretaria de Segurança do Estado, essas ações ainda passam por estudo e avaliação do Estado. A assessoria também informou que o adiamento da reunião ocorreu pela falta de compatibilidade de agendas apesar da data, 22 de julho, ter sido anunciada com antecedência no último encontro, no dia 13 de maio.
A diretora executiva da Agemcamp, que também é responsável pelo agendamento e articulações para os encontros, Éster Viana, foi procurada diversas vezes na tarde de ontem pela reportagem para comentar o adiamento da reunião, porém, não retornou as ligações.

O Gabinete de Segurança surgiu em Campinas após a cidade apresentar uma curva crescente de violência nos primeiros meses do ano, mas foi ampliado para os 18 municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC) graças à proximidade entre as cidades e também pela área pertencer a dois comandos de policiamentos diferentes. Quando foi anunciado pelo Estado, o comitê seria exemplo e modelo a ser implantado em outras regiões metropolitanas.

Ações
Desde que foi criado, um dos anúncios mais esperados do gabinete era a localização do prédio a ser alugado para a instalação da 2ª Delegacia Seccional, nas regiões do Ouro Verde e Campo Grande. O anúncio foi feito pelo próprio governador Geraldo Alckmin (PSDB), em visita à cidade, no entanto, o prédio alugado pelo Estado não fica em nenhuma dessas regiões. Ele é localizado às margens da Avenida John Boyd Dunlop, no Jardim Londres. Até agora não há sinal de qualquer reforma para a implantação da nova delegacia no local.

Das ações propostas pelo grupo, as que ocorreram foi o treinamento de quatro policiais militares pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) em São Paulo e a utilização do Registro Digital de Informações Criminais do Estado (Infocrim) por todas as Guarda Municipais dos 19 municípios que compõem a RMC.
 

SP: criminoso que confessou participação em assalto está solto e inocente condenado

24/7/2013 às 00h10 (Atualizado em 24/7/2013 às 15h13)

Assalto envolveu um PM e levou à condenação de Danilo Beserra a 20 anos de reclusão

Lumi Zúnica, especial para R7
Danilo (foto) permanece preso no interior de São PauloReprodução
Duas histórias se desenrolaram em paralelo e acabaram em tragédia envolvendo dois personagens na zona leste de São Paulo. No dia 13 de janeiro de 2013, o PM Fabio Sampaio Mota, de folga e acompanhado da esposa, comprava gás em um depósito da rua Francisco Rabelo, zona leste de SP, quando o casal foi abordado por dois homens que anunciaram um assalto.
Após tomarem o relógio e as chaves do carro do PM, o ladrão que portava a arma se sentou no banco do passageiro e o outro ligou o veículo e deu ré. Houve disparos de arma. O condutor fugiu a pé e o assaltante armado morreu no local.
Em uma rua próxima, Danilo Beserra dos Anjos, de 29 anos, assistia à televisão em companhia da mãe Francisca e da irmã Luana, por volta das 16h30, quando a vizinha entrou e comentou sobre um assalto nas proximidades e que a polícia estaria procurando um fugitivo. 
Danilo então saiu para buscar a filha pequena na casa da ex-mulher, a poucas quadras, quando foi abordado por PMs que pediram para que os acompanhasse. Os policiais justificaram o pedido alegando que ele teria caraterísticas similares às do fugitivo procurado.
Danilo aceitou, mas em vez de ser levado até a delegacia, os policias o levaram a um hospital, onde o PM vítima do assalto foi levado por ter fraturado um dedo no confronto. O PM encoberto com capuz reconheceu Danilo, que foi conduzido até o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) onde foi autuado em flagrante e teve a prisão decretada.
Dias depois, as investigações conduzidas pela delegada Jamile Jorge Ferrari, da Divisão de Homicídios, apontaram que Danilo era inocente.
Detetives da 2ª Delegacia de Homicídios chegaram ao nome de Carlos Henrique da Silva Oliveira, 19 anos, como sendo o segundo assaltante. Carlos Henrique se apresentou à delegacia acompanhado da mãe e confessou ser o homem que assaltou o casal em parceria com Anderson Angelis, vulgo “Chupeta”, morto na ação com oito tiros.
Segundo Carlos Henrique, ele acompanhava Anderson para comprar bebida alcoólica quando o amigo mostrou uma arma escondida e falou que o mataria, se ele não o ajudasse a roubar um carro. Anderson não sabia dirigir, daí a necessidade de contar com sua ajuda. Mas o assalto não deu certo. Depois, além de confessar a participação, Carlos Henrique disse nunca ter visto Danilo.
Carlos Henrique foi convocado a prestar depoimento, mas  viajou para Natal (RN) e não retornou mais. No dia da audiência, mesmo com  a confissão de Carlos Henrique à polícia, a juíza Claudia Carneiro Calbucci Renaux, ao verificar que Carlos Henrique não se apresentou, resolveu dispensar seu depoimento e condenou Danilo Beserra a 20 anos de reclusão, diminuindo a pena para seis anos e oito meses em virtude dos disparos não terem atingido a vítima. Além da condenação, ajuíza ainda encaminhou pedido à Corregedoria da Polícia Civil para investigar a autuação da delegada Jamile Ferrari.
Segundo a família, Danilo, apesar de ter sido inocentado pelo verdadeiro autor do crime, permanece preso na Penitenciaria de Oswaldo Cruz a 570 km da capital e teve negado pedido de habeas corpus. Os advogados entraram agora com um recurso ordinário constitucional pedindo que testemunhas sejam ouvidas e solicitando a sua liberação.
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PMs que atuaram em ação paralela ao Pinheirinho são indiciados por tortura e abuso sexual

PMs que atuaram em ação paralela ao Pinheirinho são indiciados por tortura e abuso sexual


Inquérito da Corregedoria da Polícia Militar que indiciou 14 oficiais da Rota será enviado ao Ministério Público


24 de julho de 2013 | 18h 31



Luciano Bottini Filho - O Estado de S. Paulo
 
SÃO PAULO- A Corregedoria da Polícia Militar indiciou 14 policiais militares da Rota acusados de agredir, torturar e abusar sexualmente moradores de São José dos Campos, em uma ação paralela à desocupação do Pinheirinho,uma das maiores realizadas no País, ocorrida em 2012.
Os crimes, segundo o inquérito policial militar que será enviado ao Ministério Público, ocorreram no bairro Campo dos Alemães, onde o 1º Batalhão de Choque fazia uma ronda, enquanto o resto da PM se concentrava no Pinheirinho. Entre os indiciados, está o tenente comandante Hillen Deniz dos Santos, 7 anos de carreira, o sargento Luiz Cesar Ricomi, 27 anos na polícia, e o sargento Alex Sandro Teixeira de Oliveira, com 13 anos de corporação. Também estão envolvidos um cabo, dez soldados e um integrante do Copom de São José dos Campos - esse último só responde por prevaricação (deixar de realizar um ato obrigatório, por não atender o chamado de uma das vítimas).
De acordo com a corregedoria, os policias entraram em uma casa onde havia sete suspeitos - um deles menor - de uso de drogas e porte ilegal de arma. Os PMs teriam coagidos as vítimas para que apresentassem uma arma de calibre 12. Duas mulheres relatam que foram assediadas pelos policiais, que as obrigaram a fazer sexo oral. Os acusados dos crimes sexuais são um tenente e um sargento. Um adolescente, então com 17 anos, alega ter sido empalado por um cabo de vassoura. Um laudo pericial confirmou a lesão na vítima.
Todo os PMs investigados poderão ser expulsos da corporação por crime de tortura, lesão corporal e violência sexual - os delitos poderão ser julgados pela Justiça comum ou Militar, dependendo da conduta. Apenas um dos policiais, que no começo disse que havia participado da ação, mas depois desmentiu, não foi indiciado, mas responderá por infração administrativa. Ele foi flagrado com uso de maconha em um exame toxicológico. Um soldado do Copom, que havia tratado o telefonema de uma das vítimas com desleixo, foi denunciado só por prevaricação.
A reclamação ao Copom foi registrada uma semana depois dos crimes, ocorridos em 22 de janeiro de 2012, quando 2 mil policiais militares cumpriram decisão judicial de reintegração de posse e retiraram 8 mil famílias do terreno de 1,3 milhão de m² do investidor Naji Nahas. Segundo a corregedoria, todos os envolvidos foram afastados da suas funções para cargos administrativos desde o começo do inquérito. Não foi pedido prisão preventiva, segundo a PM, por eles não atrapalharem as investigações nem terem maus antecedentes.
Os advogados dos indiciados não foram localizados pela reportagem até o momento.
 

No semestre São Paulo foi mais violenta

Crimes caem em junho, mas no semestre São Paulo foi mais violenta


Número de latrocínios (roubo seguido de morte) cresceu 37,5% de janeiro a junho deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado


25 de julho de 2013 | 14h 22



Giovana Girardi - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A cidade de São Paulo teve no primeiro semestre deste ano 77 latrocínios, um aumento de 37,5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 56 roubos seguidos de morte.
Os dados fazem parte do balanço da Secretaria de Segurança Pública do Estado, que divulgou nesta quinta-feira, 25, os números de violência referentes ao mês de junho. No comparativo com o mês anterior, porém, o número de latrocínios caiu - 9 ante 14.
Outro crime que cresceu na capital no primeiro semestre foi estupro: 10%. Foram 1.621 na primeira metade deste ano, ante 1.473 até junho do ano passado. Olhando só o mês de junho, no entanto, houve alta em relação a maio, mas queda na comparação com o mesmo mês de 2012: 265, 243 e 292, respectivamente.
Cresceu também 5% na cidade o número de homicídios dolosos. Foram 615 até junho, ante 586 no primeiro semestre do ano passado. Na comparação só do mês, foram 107 homicídios dolosos em junho deste ano, ante 122 em junho de 2012. Em maio foram108.
Já o número de roubos cresceu em junho. Foram 11.214 contra 9.934 no mesmo mês do ano passado. Um aumento de 12,88%. No acumulado do semestre também houve aumento de 3,2%.
 


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Escutas revelam PMs envolvidos com PCC

Escutas revelam PMs envolvidos com PCC

Do Jornal da Band
pauta@band.com.br
Terça-feira, 16 de julho de 2013 - 19h53       Última atualização, 16/07/2013 - 21h24

O Ministério Público descobriu, em uma nova investigação, o envolvimento de policiais militares com o crime organizado em São Paulo. Escutas telefônicas mostram que em vez de defender a população, alguns homens da corporação cobram propina para proteger traficantes da facção PCC.
A Band teve acesso às escutas com exclusividade.

No início da gestão do Secretário de Segurança Pública de São Paulo Antônio Ferreira Pinto, em 2009, foi tomada uma decisão: centralizar as apurações sobre o PCC na Polícia Militar. Mas as polícias Federal e Civil continuaram investigando o tráfico. E em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça descobriram que policiais militares combinavam com os criminosos o recebimento de propina para proteger pontos de venda de drogas.

Escutas revelam a contabilidade do PCC em SPPCC: líderes ganham direito a semiabertoPCC: documentos levam polícia a líderesFundação Casa investiga denúncia da BandMenores da Fundação Casa fazem reza do PCC
Em uma das gravações, o traficante se revolta porque apesar de pagar a propina tem problema com a PM.

Muitos dos policiais suspeitos de envolvimento com o PCC ainda trabalham normalmente. As provas contra eles se transformaram em relatórios de inteligência, arquivados com o aval da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Estado.

Com a certeza da impunidade, aos agentes da Polícia Militar passaram a extorquir e executar traficantes. A facção revidou com uma guerra que matou mais de cem PMs no ano passado – a maioria sem envolvimento com o crime organizado.

O governo paulista disse que acompanhava os passos do PCC através de centrais de grampos instaladas dentro de quartéis da PM controladas por um coronel da reserva e um promotor de Justiça.

A principal estação de grampo estava direcionada para a penitenciária de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, onde está a cúpula do PCC. Porém, ela não registrou negociações entre os chefes da facção dentro do presídio considerado de segurança máxima.

Procurada pela Band, a Secretaria de Segurança respondeu com uma nota em que diz não tolerar desvios de conduta e que vai apurar qualquer irregularidade envolvendo policiais.

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sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma guerra particular

Sociedade

EntrevistaA socióloga Vera Malaguti Batista alerta para o risco da expansão do "Estado policial" e da gestão militar da vida dos pobres                

por Rodrigo Martins publicado 08/07/2013 10:13
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Fabiano Rocha / Extra / Ag. O Globo
Protesto no Rio de Janeiro
A polícia segue a lógica da guerra e da ocupação de territórios inimigos, avalia especialista
Os espetáculos de truculência e despreparo das polícias estaduais na repressão às manifestações, somados à barbárie cotidiana nas favelas e periferias das grandes cidades, fizeram ressurgir a bandeira da desmilitarização das polícias. Uma proposta muito distante da realidade, lamenta a socióloga Vera Malaguti Batista, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia e professora da Universidade Cândido Mendes. Antes disso, sugere a especialista, é preciso interromper é a expansão do chama de “Estado de polícia”. “Precisamos parar de acreditar que vamos resolver os problemas do Brasil com mais polícia e repressão”, diz Batista, organizadora do livro Paz Armada, Criminologia de Cordel, lançado em 2012 pela Editora Revan. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
CartaCapital: Como a senhora avalia o comportamento das polícias durante os protestos do último mês?Vera Malaguti Batista: A polícia se comportou como costuma se comportar. Só que dessa vez o alvo da truculência era diferente, o público era outro. Os manifestantes eram, em sua maioria, jovens de classe média e brancos. Cada vez que um ônibus é incendiado na favela, o episódio é tratado pela mídia como um ato de vandalismo ou terrorismo. Mas por trás daquele veículo em chamas, quase sempre há um episódio anterior de violência policial, um assassinato. Trata-se de uma forma de protesto desesperada. A classe média se deparou nas ruas com uma forma de atuação policial normalmente dirigida aos pobres, aos moradores de bairros periféricos. Não há nada de novo.
CC: O que explica essa cultura da truculência?
VMB: O coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, comandante da PM do Rio de Janeiro nos dois governos de Leonel Brizola e assassinado em 1999, dizia que o trabalho policial no Brasil ficava entre o saber jurídico e o saber bélico. Este último está subordinado à lógica das Forças Armadas, na qual o objetivo de uma ação é sempre conter ou eliminar um inimigo. Mas as técnicas e os métodos de policiamento deveriam ter um corpo teórico à parte, o mais afastado possível do paradigma bélico. Não estamos em guerra tampouco enfrentando inimigos nas ruas. A questão central é: a quem a polícia deve servir? Nos Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Cuba, as técnicas e métodos da polícia compõem um corpo teórico bastante distinto da teoria bélica. Há manuais internacionais de controle de distúrbios, discussões sobre o uso legítimo e o uso excessivo da força, padrões de abordagem.
CC: E no Brasil?VMB: Aqui, a lógica é outra: ocupação do território inimigo. Na medida em que a criminalidade foi caminhando para o centro da política e a mídia começou a criar certa histeria nacional, as pessoas passaram a aceitar como normais e depois a aplaudir ações de guerra. Os mesmos cidadãos que criticavam a violência da ditadura passaram a justificar certos abusos da polícia no regime democrático. A ordem é partir para cima de qualquer forma. Se o policial matar, não tem galho. Registra o homicídio como auto de resistência. Ao mesmo tempo, de forma maluca, há uma expansão do número de policiais. Outro dia vi o governador do Rio, Sergio Cabral, todo orgulhoso dizendo que ele colocou nas ruas 6 mil novos policiais por ano, enquanto no passado não passavam de 500 por ano. Eu considero isso uma notícia apavorante. É o que eu chamo, no meu livro, de Estado de polícia. Mas a classe média ainda não se deu conta disso.
CC: Em recentes protestos na periferia de São Paulo e no Complexo da Maré, no Rio, alguns cartazes alertavam: “A polícia que reprime na avenida é a mesma que mata na favela”.VMB: Tome o exemplo do massacre na Maré. A ação de meia dúzia de pequenos traficantes e a morte de um sargento do Bope, a tropa de elite da polícia fluminense, deu uma espécie de carta de carta branca para a polícia promover uma chacina na favela. Isto, sim, foi uma verdadeira ação terrorista. Revela um despreparo total, uma tropa enlouquecida, disposta a tudo. E a mídia incentiva este tipo de postura. Cria slogans como “combate ao crime”, “guerra às drogas”, “batalha contra o crack”. Hoje, São Paulo tem um efetivo de 100 mil policiais. O Rio tem mais de 60 mil. Todos os anos, os diferentes governos jogam nas ruas milhares de trabalhadores armados com pouca ou nenhuma formação. E há uma enorme plateia aplaudindo essa política, demandando mais truculência. Um dos grandes equívocos dos governos do PT foi ter permitido, e até incentivado, a expansão do Estado de polícia. Como diz o historiador Joel Rufino dos Santos, o que precisamos ser: guardiões da ordem ou dos direitos humanos?
CC: Ter mais policiais nas ruas é um problema?VMB: Sem preparo, sim. É preciso pagar melhores salários, melhorar a formação dos policiais. Aquele homem fardado, no meio de uma multidão enfurecida, adestrado para a guerra e sem saber como lidar com civis, também vive um grande dilema.
CC: É o caso de levantar a bandeira da desmilitarização da polícia, como alguns manifestantes têm sugerido?VMB: Estamos tão distantes disso... A primeira coisa que precisamos interromper é a expansão do Estado de polícia. Parar de acreditar que vamos resolver os problemas do Brasil com mais polícia e repressão. Esse é o consenso da sociedade hoje. Precisamos de muitas prisões, penas mais duras para os criminosos. Em algum momento essa política de encarceramento em massa vai ruir, não tem como se sustentar. Antes de colocar mais policiais nas ruas, é preciso repensar o que queremos. Viver num Estado de polícia ou num Estado de direito? São coisas antagônicas. Como ressalta o jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, ‘o estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõe-se ao estado de polícia, onde todos estão subordinados ao poder daqueles que mandam’. Hoje, não tenho dúvidas de que vivemos neste segundo cenário.
CC: A senhora é uma crítica ferrenha das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio, que contam com ampla aprovação da população, segundo pesquisas. O que há de errado no modelo?VMB: É um projeto de alta concentração de forças militarizadas em áreas pobres. Se fosse um programa para a segurança pública do Rio de Janeiro, ele não poderia ser direcionado só para as favelas. A UPP é uma gestão policial da vida dos pobres. Transforma a polícia como principal política pública, acima de todas as outras. Não vejo dessa forma. As pessoas se sentem seguras quando têm transporte, alimentação, limpeza urbana. Além disso, esse modelo de controle territorial está inserido num paradigma bélico. Segurança pública não é guerra tampouco disputa territorial. A UPP parece uma invenção de Sergio Cabral ou do seu Secretário de Segurança Pública, mas o modelo foi testado em outros lugares do mundo e fracassou. O projeto foi vendido aqui como panaceia, uma espécie emplastro Brás Cubas, destinado a curar todos os males da humanidade, nos delírios do célebre personagem de Machado de Assis.
CC: Onde mais esse modelo foi adotado?VMB: Em Medellín, os pesquisadores do Observatorio de Seguridad Humana têm uma série de estudos e estatísticas que revelam os equívocos desse modelo de ocupação militarizada em áreas pobres da Colômbia. O geógrafo Milton Santos ressalta que a aposta na “recuperação de territórios” remete ao conceito bélico norte-americano e israelense de ocupação de territórios estrangeiros. Sim, porque os governos dos Estados Unidos e de Israel não têm coragem de impor esse mesmo modelo dentro de casa, para a sua própria população.
CC: Vende-se a ideia de que a UPP é um modelo de policiamento comunitário.VMB: UPP não é policiamento comunitário, é uma tomada de território por forças militarizadas. Algo muito semelhante ao que ocorre na Palestina, no Iraque, no Afeganistão. O coronel Nazareth Cerqueira foi um dos primeiros a implantar o policiamento comunitário na América Latina nos anos 1980. O projeto tinha no horizonte a ideia de o policial estar próximo, mas não metendo o pé na porta. O oficial deveria ser acessível, próximo para atender às demandas da população. Mas nunca para impor sua disciplina, o protagonista era a população.
CC: O que é a vida em uma favela “pacificada”?VMB: O tipo de atuação policial que se faz nas favelas ocupadas pela polícia no Rio só poderia ser feita na zona sul da cidade caso o governo decretasse “estado de sítio”. Há toques de recolher, abordagens ostensivas, invasão de domicílios sem mandado judicial, a proibição de tudo. Os moradores do morro do Cantagalo costumam reclamar que os bares de Ipanema ficam abertos a noite toda, mas as biroscas da favela têm horário para fechar. Para fazer uma festa em casa, o morador de lá tem de pedir autorização. Se fosse uma experiência de policiamento comunitário, como cinicamente costumam dizer, as intervenções deveriam ocorrer em todo o bairro de Copacabana, não apenas nas favelas dali.

domingo, 7 de julho de 2013

Uma Polícia Civil para uma sociedade civil


O CICLO COMPLETO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA

 

*Juvenal Marques Ferreira Filho

  

 O sistema de segurança pública adotado no Brasil é seccionado entre várias polícias com atribuições especificadas no artigo 144 da Constituição Federal. No entanto na prática as ações desenvolvidas pelas instituições e corporações policiais, mormente no âmbito estadual, se confundem. O policiamento ostensivo está definido como atribuição da Polícia Militar, enquanto as ações investigativas para apuração de crime são de atribuição da Polícia Civil. O chamado ciclo incompleto de polícia tem gerado atritos entre as polícias estaduais, uma vez que ambas acabam por desenvolver formas de policiamento com invasão na área de atuação uma das outras. Assim a polícia militar mantém pelotões de investigação para depois efetuar o patrulhamento direcionado para as áreas investigadas para a produção de flagrantes, enquanto a polícia civil mantém equipes uniformizadas também com ações direcionadas a impedir a ocorrência de determinados crimes, como as equipes de combate ao roubo a bancos e os grupos especializados (GOE) para o enfrentamento com o crime organizado, onde o armamento utilizado geralmente é de uso restritivo das forças armadas com alto poder de fogo. Aliás quando a polícia civil realiza o policiamento ostensivo o faz de maneira muito mais dinâmica e efetiva do que a Polícia Militar, onde a cadeia hierárquica truncada faz com que, além dos policiais militares empregados no ostensivo, tenha necessariamente uma supervisão por sargentos, que por sua vez são supervisionados por um oficial. As equipes especializadas da Polícia Civil realizam o policiamento ostensivo especializado com menos homens, menos despesas e a mesma efetividade da PM. Diante desse quadro de atrito, competitividade e falta de identidade das polícias estaduais surgiu à tese do ciclo completo de polícia. No entanto, de maneira equivocada alguns pseudo especialistas em polícia têm pregado a implantação do ciclo completo de polícia com o direcionamento para aumento de atribuições da Polícia Militar, conforme a incidência penal. Na linha doutrinária desses “especialistas”, dependendo da incidência penal, a Polícia Militar atenderia e implementaria as providências até o final da ocorrência, inclusive as providências de natureza judiciária, portanto usurpando as funções da polícia civil, para a qual não tem preparo, sem se reportar a Autoridade Policial. Ora a divisão de atribuições já está prevista na Carta Magna, no entanto, o que temos visto é que na prática isso não funciona. A desorganização do aparelho policial do Estado Brasileiro é patente, enquanto o crime organizado se expande em escalada assustadora, não só pela força do material bélico empregado, logística, ações cada vez mais ousadas, da corrupção diante de polícias mal pagas, mas também pela preparação, inclusive com custeio de curso superior, para a infiltração de agentes dessas organizações criminosas nos três Poderes da República.

 

O ciclo completo de polícia pressupõe uma única polícia com a atribuição da execução do policiamento urbano e combate as diversas formas de criminalidade com a repressão adequada, quer nos crimes comuns como também no crime organizado. Para o sucesso nessa empreitada a polícia tem que desenvolver ações organizadas no policiamento ostensivo perfeitamente integrada com ações de inteligência, não somente para minimizar a incidência criminal, como também para a efetiva investigação com a colheita de provas para a persecução penal a ser desenvolvida pelo Ministério Público.  O crescimento e o aperfeiçoamento do crime organizado não permitem mais ao Estado Brasileiro o amadorismo em ações de Segurança Pública.

 

Efetivamente a solução para a crise de Segurança Pública no Brasil passa pelo Ciclo Completo de Polícia Judiciária com o desenvolvimento de ações minimizadoras da incidência criminal, uma vez que supressão total do crime é utopia. Ações de inteligência para o direcionamento do policiamento ostensivo, bem como a efetiva investigação dos crimes perpetrados com a identificação do agente criminoso e colheita de prova para a instrumentalização da persecução penal por parte do Ministério Público fecham o ciclo completo de polícia. Esse mister somente pode ser realizado por uma polícia judiciária atuando com atribuição unificada e integrada no combate ao crime. As polícias civis estaduais têm plenas condições de realizar esse papel, até porque sua formação profissional é exclusivamente para o combate ao crime, sem qualquer doutrina estranha ao ideal de defesa da sociedade civil com respeito ao estado de direito vigente.

 

A Polícia Militar tem formação e doutrina militar cujo objetivo é por excelência a neutralização e, quando necessário o abate do inimigo, com ações táticas de enfrentamento e destruição da força opositora. Esse tipo de ação é incompatível com o policiamento civil para a proteção de uma sociedade democrática com o respeito aos direitos humanos. Os fatos são incontestáveis, pois que todos os dias eclodem pelo país inteiro denúncias de abuso de força, tortura e por vezes de morte de civis, perpetradas por policiais militares no serviço de policiamento civil.

 

Na grande maioria dos países desenvolvidos o policiamento diuturno da sociedade é realizado por polícias de natureza civil e com as atribuições do ciclo completo de polícia, reservando-se para os confrontos com criminosos violentos e com armamento pesado a atuação de equipes treinadas com táticas militares e com resposta armada adequada a agressão criminosa, como realiza a S.W.A.T. americana. Para esse tipo de ação a atuação da Polícia Militar é de fundamental importância, pois que se requer nesse tipo de repressão criminosa uma ação policial com tática militar, treinamento, equipamento e armamento de uso restritivo. O policiamento de choque para controle de distúrbios civis e de praças desportivas com grande aglomeração de pessoas, bem como os batalhões especializados em ações de selva e salvamento são, por sua natureza e exigência de treinamento especializado, uma atribuição natural e específica para a Polícia Militar que nessa área realiza uma excelente prestação de serviço para a sociedade.

 

Nesse diapasão a evolução natural do aparelho policial brasileiro passa pela atribuição do ciclo completo de polícia judiciária com a competência legal para as polícias civis estaduais para o desenvolvimento de ações para a prevenção, com o policiamento ostensivo, a investigação e repressão ao crime de forma unificada, reservando-se para a Polícia Militar o controle de distúrbios civis e as operações especiais táticas. Nesse campo de atuação, com tropa treinada para o policiamento de choque, batalhões de operações especiais para enfrentamento de confronto armado pesado, ações na área de defesa civil, além do salvamento em terra e água, a Polícia Militar está perfeitamente qualificada. Essa tropa com treinamento militar caberá a reserva do Estado Brasileiro para a defesa interna e territorial funcionando como força reserva do Exército e Força Nacional de Segurança Pública com atuação específica em situações que ofereçam risco à segurança nacional.

 

O modelo proposto é de fácil implantação, pois que as polícias estão relativamente organizadas com paridade salarial de cargos nos estados, bastando-se para tanto a redistribuição de efetivo, equipamento e instalações para a implementação de uma polícia judiciária com atuação no Ciclo Completo de Polícia Judiciária e a estruturação de uma Força Pública para utilização em situações de risco de segurança tanto a nível estadual como nacional.

 

A implementação legal desse novo sistema de segurança pública poderá ser implantado através de uma PEC que promova a alteração do artigo 144 da C.F., modificando-se as atribuições das polícias estaduais, com previsão nas disposições transitórias para a redistribuição dos efetivos e das instalações das polícias militares utilizados no policiamento ostensivo. Dessa forma caberia a Polícia militar a exclusividade no controle de distúrbios civis, a polícia de operações táticas especiais e as ações de defesa civil e salvatagem na terra e água. A Polícia Civil caberia a prevenção, policiamento ostensivo e a investigação e elucidação de crimes com a competência exclusiva para a formalização dos atos de polícia judiciária nas infrações de natureza civil. Lei Complementar deverá criar e redistribuir os cargos necessários para a polícia judiciária com atuação no ciclo completo.

 

A proposta é factível e não ensejaria em aumento de gastos pelos Estados, uma vez que se propõe readequar as polícias já existentes, com a redistribuição de funções, efetivos e material, implantando-se um novo modelo de aparelho policial do Estado. A Polícia Estadual com atuação no ciclo completo de polícia judiciária deverá ter uma estrutura moderna para atuar nas diversas áreas de ações de inteligência, prevenção uniformizada ostensiva, investigação e formalização dos atos de polícia judiciária. Para tanto as antigas delegacias agora denominadas Departamentos de Polícia terão nos seus efetivos policiais treinados e equipados para atuar no policiamento uniformizado, além de agentes policiais para atuação específica na área de inteligência e investigação e o corpo de escrivães para a formalização cartorária dos atos de policia judiciária.  As ações de inteligência não se confundem com investigação. As primeiras dizem respeito ao levantamento de informações para fundamentar as decisões estratégicas e direcionamento do policiamento a ser desenvolvido, enquanto o efetivo de investigação atua no caso concreto com a identificação do agente criminoso e colheita de elementos de provas para a instrumentalização do Ministério Público. A profissionalização e especialização de uma única polícia na atuação no ciclo completo de polícia judiciária importarão inevitavelmente numa substancial melhoria do sistema de segurança pública em benefício de toda a sociedade civil.

 

A direção desses Departamentos de Polícia caberá ao Delegado de Polícia Titular da unidade, a quem incumbirá supervisionar a atuação dos Delegados de Polícia encarregados de cada uma das áreas de atuação do Departamento, a saber, o Delegado de Polícia do Setor de Policiamento Ostensivo; Delegado de Polícia do Setor de Inteligência e Investigação; Delegado de Polícia do Setor de Polícia Judiciária e o Delegado de Polícia do Setor de Plantão Policial. Os Departamentos de Polícia manterão uma equipe diuturna, sob a presidência de um Delegado de Plantão para a lavratura de autos de prisão em flagrante e termos circunstanciados. O registro de boletins de ocorrências com a mera notícia de crime será efetuado por funcionários distribuídos nos Postos de Atendimento e Registro de Ocorrência Policial (PROPOL) localizados em setores estratégicos a serem determinados pela densidade populacional e incidência criminal na cidade.

 

Tendo em vista a complexidade das atribuições dos Departamentos de Polícia haverá a necessidade de realocação destes nos prédios públicos remanejados da Polícia Militar (batalhões), uma vez que o efetivo de policiais e equipamentos necessitará instalações de maior porte. No entanto, com a realocação dos edifícios ocupados pelos batalhões de área, o Estado não terá aumento de despesas, pelo contrário, as despesas devem diminuir uma vez que as características do efetivo policial civil, sem rancho e barbearia, por exemplo, demandará menos gastos.

 

O remanejamento do efetivo empregado pela PM no policiamento ostensivo também não oferece dificuldade. Os soldados viriam como guardas civis, nível I – estágio probatório e nível II – efetivados com até 15 anos; os praças graduados cabos, sargentos e subtenentes teriam por designação o cargo de Inspetor de Polícia nível I, II, III e Especial para o final da carreira. A promoção dos Guardas civis de nível II será automática para Inspetor de Polícia nível I, decorridos 15 anos de carreira no bom comportamento. As promoções dos Inspetores de Polícia, de acordo com o número de vagas abertas, serão baseadas na proporção de 50% pelo critério de antiguidade, e, 50% por concurso interno, sendo automática a cada 10 anos de efetivo serviço no cargo sem punição.

 

Os oficiais da PM empregados no policiamento ostensivo e que optem pela transposição para a Polícia Judiciária assumirão os cargos de Delegados de Polícia, com os níveis correspondentes às suas patentes anteriores, com a atuação específica na supervisão do setor de policiamento ostensivo, com as prerrogativas e atribuições do Delegado de Polícia Judiciária.

 

Isto posto, evidencia-se que com uma reengenharia do atual modelo policial brasileiro há condições de se prestar um serviço de segurança pública com inegável melhoria para a população, sem os atritos e os desvios de função que oneram as polícias estaduais no sistema atual. Para tanto não se faz necessário aumento de efetivo ou de despesas, mas tão somente uma mudança do sistema atual, já ultrapassado e não condizente com o Estado de direito vigente, onde não há mais espaço para o cerceamento de liberdades por instituição militar. A restrição de liberdades civis só é possível dentro da lei e por órgãos civis do Estado. Aos militares cabe tão somente a defesa do Estado brasileiro contra agressão externa, e, excepcionalmente contra ação por agentes internos na forma da lei.

 

A necessária modernização das polícias brasileiras no combate ao crime comum e organizado, deve se pautar pelos ditames da lei, com respeito aos direitos humanos, como o fazem a grande maioria das instituições policiais de países desenvolvidos, onde não existe a figura militar.

 

O Ciclo Completo de Polícia Judiciária representa a única saída possível, do atual estado de incompetência das polícias estaduais para enfrentamento do crime e oferecimento de uma segurança pública efetiva. A exposição de motivos esplanada demonstra a viabilidade operacional e financeira na reengenharia do atual modelo do aparelho policial estatal. Basta vontade política e compromisso com a sociedade brasileira para a implantação das mudanças necessárias.

 

 

 Julho de 2010.
 

* O autor é bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos. Ingressou na carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia Militar de São Paulo, onde alcançou a graduação de 2º Sargento. Em 1989 assumiu o cargo de Investigador de Polícia, tendo exercido a função até aprovação no concurso para Delegado de Polícia em 1994. É autor de vários artigos relacionados à Segurança Pública publicados em páginas de diversos sites na Internet. Contato por e-mail: juvenalmarques2010@gmail.com .  

  

  

 

 

 
 

ANEXO

 

EMENDA CONSTITUCIONAL

 

 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

CONGRESSO NACIONAL

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº __

 

 

Modifica o Sistema de Segurança Pública nos Estados, estabelece normas e dá outras providências.

 

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art.60 da Constituição Federal, promulgam esta Emenda ao texto constitucional:

 

Art. 1º - O artigo 144 e seus §§ 4º e 5º da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos que integram o Sistema Nacional de Segurança Pública:

I -   ...........................................

IV - polícias judiciárias estaduais;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

 

 

§ 4º - às polícias judiciárias estaduais, dirigidas por delegados de polícia de carreira, exercem com exclusividade, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares, bem como o policiamento ostensivo e as ações necessárias para a prevenção e repressão ao crime.

§ 5º - às polícias militares cabem a preservação da ordem pública no controle de distúrbios civis, policiamento em praças desportivas e as ações de operações especiais em situações de alto risco, além da manutenção dos corpos de bombeiros militares e a execução de atividades de defesa civil, sendo a base da Força Nacional de Segurança com as atribuições definidas em lei.

 

Art.2º - Insere o § 3º no artigo 89 nas Disposições Transitórias da Constituição Federal com a seguinte redação:

 

      § 3º - Os Estados disciplinarão em lei complementar as redistribuições dos equipamentos, materiais e imóveis da Polícia Militar para a Polícia Judiciária Estadual, bem como os efetivos policiais necessários para o policiamento ostensivo, garantido o direito de opção para os policiais militares para remanejamento para quadro em extinção, para a reestruturação dos órgãos policiais para o cumprimento do dispostos nos parágrafos 4º e 5º do artigo 144.

 

 

Art. 3º -  Esta Emenda Constitucional entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua promulgação.

 

Brasília,   x  de x  de 201x

 

Mesa da Câmara dos Deputados


Mesa do Senado Federal