MENSAGEM

"Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação. A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

quinta-feira, 26 de março de 2015

Carros blindados não usam os mesmos vidros que foram aprovados pelo Exército

MAIS FRÁGEIS

Carros blindados não usam os mesmos vidros que foram aprovados pelo Exército




Mais de 140 mil carros blindados circulam pelas ruas do Brasil, segundo estimativa da Associação Brasileira de Blindagem. No entanto, seus vidros à prova de balas não são os mesmos que foram testados e aprovados pelo Exército Brasileiro, que detém exclusividade para avaliar o produto. O resultado prático é que a resistência a tiro dos vidros que circulam nas ruas, dentre outras características, é diferente daquela que foi aprovada pelos militares.
Isso se deve à norma que regulamenta a blindagem no país: a ABNT-NBR 15.000, que traz classificação e critérios de avaliação para blindagens para impactos balísticos. A regra determina que os vidros testados sejam planos (como os das janelas de casa). Acontece que os vidros dos carros são curvos e, por isso, segundo especialistas, mais frágeis.

Guilherme Araújo Bittencourt, que, de 2004 a 2009, foi chefe do Laboratório Balístico do Centro de Avaliações do Exército (CAEx) — órgão responsável por testar os materiais de emprego militar e os produtos controlados pelo Exército — afirma, em parecer técnico: “Se a norma define o teste do protótipo plano de vidro, a questão passa a ser se a norma está correta em testar apenas vidros planos e não vidros curvos (teoricamente mais frágeis)”.
O parecer técnico de Bittencourt sobre a questão foi feito a pedido da empresa SER Glass, que afirma ser líder de mercado na fabricação de vidros blindados. A companhia buscava refutar testes não oficiais feitos em vidros por ela produzidos — nos quais os tiros atravessaram os produtos. Ele justifica a perfuração afirmando, entre outras coisas, que “a forma curva das janelas blindadas se deve ao tratamento térmico executado na fabricação das mesmas, podendo haver pequena mudança no seu desempenho balístico”.
A empresa afirmam que se há problemas na norma ABNT-NBR 15.000, a empresa não tem condições de desobedecê-la por isso. A companhia afirma que nunca teve problemas com clientes cujos carros foram alvejados nas ruas e que está trabalhando na criação de uma área de testes de blindagem certificada, que disponibilizará para uso do mercado.
Teste mais caro
Com experiência na área, o ex-chefe do laboratório do Exército aponta que há uma norma alemã que prevê o teste dos vidros nos próprios carros, que seria mais precisa em relação à segurança que eles realmente oferecem, mas seu uso foi descartado no Brasil, pois encarece o teste.

Os “problemas” de execução da regra alemã seriam, segundo ele, o custo elevado, pois “gastaria” um carro por teste; a “parcialidade do ensaio”, pois os pontos onde são dados os tiros não são precisamente escolhidos; e “necessidade de um número enorme de testes”, uma vez que para cada projeto de veículo blindado é preciso executar um teste.
Para tentar corrigir a diferença de resistência dos materiais, explica Bittencourt, a regra brasileira define que, nos testes, a velocidade de impacto dos projéteis esteja acima da encontrada em munições comerciais. Ele exemplifica que para os testes com munição 9 mm, a regra exige velocidade de impacto 64% maior do que da munição comercial. Já nos testes com a munição .44 Mag, é obrigatório o impacto 42% maior.
Questão judicial
Os problemas com vidros blindados já foram parar na Justiça e, atualmente, há inclusive uma investigação do Ministério Público de São Paulo sobre a questão. A blindadora TecPro Tecnologia em Proteção, que instalava vidros da SER Glass até 2013, foi alvo, no ano seguinte, de uma ação cobrando a troca dos vidros de quatro carros.

 Na ação, Ana Maria Junqueira de Azevedo e Roberta Decoussau Tilkian — assim como as pessoas jurídicas Decoussau Tilkian Sociedade de Advogados e Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados — afirmam terem contratado a empresa TecPro para blindar seus carros. Eles pagaram valores entre R$ 40 mil e R$ 45 mil por cada veículo, entre 2011 e 2012 [clique aqui para ler a petição inicial].
O advogado Rubens Decoussau Tilkian, que atuou no caso, em nome de sua mulher e de seu escritório, aponta que não se trata de um defeito de um simples produto doméstico. "O assunto mencionado na matéria contempla vidros blindados, portanto, cuja eficiência e qualidade estão intimamente ligadas à vida e à segurança dos consumidores”.
Segundo ele, depois de a blindadora se negar a trocar os vidros, não restou opção senão ajuizar ação judicial contra a TecPro e distribuir representaçãocontra ela e a SER Glass. Em liminar, o Tribunal de Justiça de São Paulo constatou o perigo de dano, “decorrente da fragilidade dos vidros evidenciada pelas provas extraídas do inquérito”. Por isso, ordenou à TecPro que promovesse a imediata troca dos vidros sob pena de multa diária.
Depois da liminar que determinava multa diária caso a troca não fosse feita, antes da perícia nos vidros, a blindadora fez um acordo com os clientes para a mudança. Neste processo, consta uma lista de 500 clientes da empresa que tiveram vidros da SER Glass instalados em seus carros.
Sem conclusões
A TecPro afirma ter parado de comercializar os vidros da SER Glass até que a investigação seja concluída, mas diz ser prematuro afirmar que seus produtos são vulnaráveis. Isso porque, continua, o Ministério Público investiga o caso desde 2012 e não chegou a nenhuma conclusão por enquanto. A empresa afirma ainda que outras blindadoras continuam comprando os vidros da SER Glass.

A empresa de blindagem afirma ainda que tem colaborado com o Ministério Público nas investigações, fornecendo documentos e vidros de seu estoque para testes.
Já a SER Glass nega as acusações e afirma ser alvo de campanha engendrada por concorrentes, por ela ter desenvolvido uma tecnologia superior à do mercado. Segundo a companhia, todos os seus vidros seguem as regras brasileiras de segurança — que, se têm problemas, não podem ser desobedecidas.

 é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.


Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2015, 19h29

CNJ aposenta juízes acusados de venda de sentença e quebra de imparcialidade

PUNIÇÃO COMPULSÓRIA

CNJ aposenta juízes acusados de venda de sentença e quebra de imparcialidade





O Conselho Nacional de Justiça decidiu aposentar compulsoriamente os juízes César Henrique Alves, do Tribunal de Justiça de Roraima, e Ari Ferreira de Queiroz, do Tribunal de Justiça de Goiás, acusados de venda de sentença e quebra de imparcialidade. A decisão é dessa quarta-feira (24/3).
A decisão pela punição a César Alves (foto) aconteceu pelo placar de 11 a 2. A maioria do colegiado entendeu haver provas da participação do magistrado na venda de sentenças. Seu Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi aberto em 2011, a pedido do Ministério Público de Roraima. O julgamento do caso começou em 2013 no CNJ, com voto da relatora Gisela Gondin pela aposentadoria do juiz. A análise do caso foi interrompida logo em seguida, após pedido de vistas do conselheiro Emmanoel Campelo.

César Henrique Alves começou a ser investigado após um homem tentar intermediar a venda de uma sentença do magistrado para seu próprio tio, que acabou denunciando o caso ao TJ-RR. Após investigação policial, constatou-se que o intermediador e o magistrado mantinham contato frequente. Segundo a relatora do caso, o homem chegou a ser preso com um cheque quando saia da casa do juiz.
“Os fatos estão bastante evidenciados, se não tem prova robusta, há indícios veementes”, afirmou o ministro Ricardo Lewandowski, que votou pela condenação do acusado.
Quebra de imparcialidade
Com PAD aberto em 2013, a condenação à aposentadoria compulsória com proventos proporcionais do juiz Ari Ferreira de Queiroz (foto) se deve a várias acusações. Dentre elas, ter tomado decisões que beneficiaram o 1º Tabelião de Protesto e Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Goiânia, que recebeu o título de “cartório mais rentável do Brasil no segundo semestre de 2012”, com arrecadação de R$ 35,4 milhões no período.

Queiroz foi acusado de afronta ao princípio do juiz natural, quebra dos deveres de imparcialidade e de cautela, abuso na jurisdição, descontrole no recebimento de processos distribuídos, abuso na decretação de segredo de justiça, favorecimento irregular e interferência nos trabalhos da Corregedoria Nacional de Justiça. 
O juiz já estava afastado do cargo desde 2013, após uma inspeção feita pela Corregedoria Nacional de Justiça em 2012 que verificou um número incomum de decisões na 3ª Vara da Fazenda Pública de Goiás em benefício do cartório. A constatação levou a Corregedoria Nacional a inspecionar também o cartório, onde se verificaram mais irregularidades. 
Para a relatora do caso, conselheira Maria Cristina Peduzzi, a relação “imprópria” estabelecida entre o magistrado e o cartorário é comprovada pela sua atuação jurisdicional. “Não se trata aqui de afirmar que ele tenha auferido qualquer benefício com a decisão. O que se questiona é se sua atuação disciplinar descumpriu a Loman, a Constituição e outros diplomas legais”, explicou.
Sinônimo de competência
Na abertura do PAD contra Ari Queiroz, uma das considerações feitas contra o juiz foi a manutenção de site na internet onde o magistrado se autopromovia com a frase “Ari Queiroz, sinônimo de competência”.

Na época, o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, considerou que além de se autopromover publicamente sem limites éticos, em inúmeras oportunidades ele agiu de maneira contrária ao que se consideraria razoável no exercício da jurisdição.
Falcão também criticou entrevistas concedidas pelo magistrado à imprensa, nas quais ele teria se manifestado sobre procedimentos criminais e administrativos em curso. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Processo Administrativo Disciplinar 0006017-28.2013.2.00.0000.
Revisão Disciplinar 0006295-97.2011.2.00.0000.

Revista Consultor Jurídico, 25 de março de 2015, 10h10

Câmara torna hediondos crimes graves praticados contra policiais

Câmara torna hediondos crimes graves praticados contra policiais

Pelo texto, punição será maior em caso de homicídio e lesão corporal.
Proposta prevê pena mais dura para crimes contra familiares de policiais.

Nathalia Passarinho
Do G1, em Brasília
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (26) projeto de lei que aumenta a punição para homicídio e lesão corporal praticados contra policiais, bombeiros e militares no exercício da função. Pela proposta, que agora retornará para o Senado, homicídio e a lesão corporal gravíssima ou que resulte em morte de policiais, militares e parentes passa a ser considerado um crime hediondo.
É considerada gravíssima a lesão que provoque incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização do membro, sentido ou função, deformidade permanente e aborto. Os crimes hediondos são cumpridos obrigatoriamente em regime inicialmente fechado, ou seja, o condenado deve passar dia e noite na cadeia.
O texto também prevê aplicação de pena mais dura quando o delito for cometido contra cônjuge, companheiro e parente em até terceiro grau desses agentes de segurança.
No caso de homicídio, propõe o texto, o fato de a vítima ser agente do Estado ou parente “qualifica” o crime, ou seja, a punição passaria a ser de 12 a 30 anos, em vez de 6 a 20 anos. Para lesão corporal, o projeto prevê que a pena seja aumentada de um a dois terços.
A proposta aprovada anteriormente pelo Senado previa penas maiores tanto para quem matasse ou ferisse o policial quanto para o agente que matasse ou ferisse alguém. Como o texto foi alterado na Câmara, segue para nova análise dos senadores.
Progressão de regime
As regras de progressão para um regime mais brando também são mais rígidas. Para passar para o semiaberto, quando o detento pode sair de dia para trabalhar, o condenado por crime hediondo precisará cumprir dois quintos da pena, se for réu primário, e três quintos, se reincidente. A regra geral para crimes não qualificados como hediondos é o cumprimento de um sexto da pena.

Acessado e disponível na Internet em 26/03/2015 no endereço - 
http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/03/camara-aumenta-pena-para-crimes-praticados-contra-policiais-e-familiares.html

sábado, 21 de março de 2015

Lei torna crime ofertar bebida alcoólica a menor de 18 anos

MUDANÇA NO ECA

Entra em vigor lei que torna crime ofertar bebida alcoólica a menor de 18 anos






Entrou em vigor nessa quarta-feira (18/3) a lei que torna crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, bebida alcoólica a menores de 18 anos. A medida também se estende a outros produtos que possam causar dependência física ou psíquica se não houver justa causa para a venda. A pena pra o crime é de dois a quatro anos de detenção e multa que varia de R$ 3 mil a R$ 10 mil, além da interdição do estabelecimento comercial.
Sancionada pela presidente Dilma Rousseff e publicada no Diário Oficial da União dessa quarta-feira (18/3), a Lei 13.106/2015 altera o artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8.069/90). O projeto foi sancionado após ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 24 de fevereiro, sem ter sofrido qualquer alteração em relação ao texto aprovado pelo Senado.
A advogada Beatriz Rigoleto Campoy explica que a lei condiz com o princípio da proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que é apenas uma medida. “A lei é fundamental para a evolução dos direitos dos menores, muito embora, a criminalização de condutas por si só não seja um meio hábil para a resolução de problemas sociais. Uma norma penal sem outras medidas sociais não é capaz de resolver problemas socioculturais desta magnitude”, afirma.
A advogada aponta que também é necessário que haja fiscalização da própria sociedade e por parte das autoridades. “A responsabilidade pelo bem-estar da criança e do adolescente é de toda a sociedade. Por se tratar de um crime, qualquer pessoa pode denunciar às autoridades policiais, Ministério Público e o Conselho Tutelar”, diz.
Ação de conscientização
Para Marcos Barbosa, supervisor da Seção de Apuração e Proteção da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a edição da Lei foi necessária "porque com o passar dos anos, observou-se aumento significativo no consumo de bebidas alcoólicas pelos jovens e a legislação era frágil na tipificação para aqueles que, de alguma forma, ofertavam bebida alcoólica a crianças e adolescentes”.

Barbosa informa que a Vara do TJ-DF fará uma campanha para conscientizar a população sobre o problema e alertar sobre a responsabilidade de cada um. “A legislação deve ser observada por todos, visando coibir o consumo de bebidas. Nesse aspecto, incluem-se comerciantes, produtores de eventos, grandes redes de supermercados atacadista e varejista, bem como os pais e responsáveis”, afirma. Ele aponta que a lei não exime nem mesmo os pais ou responsáveis que oferecem a bebida aos jovens.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2012 as formas de obtenção de bebidas alcoólicas por jovens são em festas (39,7%), com amigos (21,8%), em mercado, loja, bar ou supermercado (15,6%) ou na própria casa (10,2%). A pesquisa foi feita pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF e da Agência Brasil.
Veja o que diz a Lei 13.106/2015:
LEI Nº 13.106, DE 17 DE MARÇO DE 2015.
Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei das Contravenções Penais.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º — O art. 243 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:
Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave." (NR)

Art. 2º — A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 258-C:
"Art. 258-C. Descumprir a proibição estabelecida no inciso II do art. 81:
Pena - multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais);
Medida Administrativa - interdição do estabelecimento comercial até o recolhimento da multa aplicada."

Art. 3º — Revoga-se o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei das Contravenções Penais.
Art. 4º — Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 17 de março de 2015; 194º da Independência e 127º da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Miguel Rossetto
Ideli Salvatti

terça-feira, 17 de março de 2015

Associação homenageia delegados e policiais que atuam na "lava jato"

PLACA COMEMORATIVA

Associação homenageia delegados e policiais que atuam na "lava jato"





Os delegados e policiais federais que participam das investigações da operação “lava jato” foram homenageados pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), entidade que representa a categoria. A homenagem aconteceu na Superintendência Regional da PF em Curitiba no dia 9 de março. Os profissionais receberam uma placa do presidente da ADPF Marcos Leôncio Ribeiro.

Revista Consultor Jurídico, 16 de março de 2015, 19h49

Audiência de custódia à brasileira

Diego Dutra Goulart: Audiência de custódia à brasileira



Após iniciativa do TJSP iniciou-se na semana passada em São Paulo a audiência de custódia. Referida iniciativa tem por alegado escopo disciplinar tratado internacional, mas é incompatível com o nosso ordenamento jurídico.
O tratado internacional em questão é a Convenção Americana de Direitos Humanos. Ela diz que "toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)". O texto não fala em audiência, em prazo de 24 horas e, muito menos, em encaminhamento necessário ao juiz.
Atualmente, a pessoa ao ser presa em flagrante tem sua detenção comunicada imediatamente ao juiz, ao Ministério Público, bem como à família e, em até 24 horas após a realização da prisão, é encaminhado ao juiz o auto de prisão em flagrante, seguindo cópia à Defensoria Pública, caso não seja indicado advogado (art. 306, CPP).
Portanto, qualquer violação a direito do preso já é verificada pelo defensor e pelo delegado de polícia, a quem o preso apresenta a sua versão sobre os fatos. Ademais, em até 24 horas, o juiz já avalia não só a versão do preso, mas também todos os pedidos da defesa, decidindo se a pessoa detida deve ficar presa ou se pode ser solta aplicando-se medidas alternativas. Então, o que muda com a audiência de custódia?
O provimento do TJSP diz que o preso deve ser apresentado ao juiz para tratar de "circunstâncias objetivas" (não relacionadas ao mérito). Desse modo, passaremos a ter um interrogatório feito pela autoridade policial no qual o custodiado apresenta a sua versão para os fatos. Na sequência, ainda no prazo de 24 horas, o preso segue para audiência com o juiz para tratar de questões "objetivas" (por exemplo, para dizer se foi agredido ao confessar).
Nos países em que se adota a audiência de custódia (ou o equivalente) há duas grandes diferenças: não há interrogatório policial nos moldes que nós temos e o preso deve ser apresentado ao juiz para apresentar a ele a sua versão dos fatos (e não apenas para falar de questões objetivas). Ademais, nos outros países o preso não é encaminhado ao juiz do caso, mas sim a um "outro juiz", que atua apenas na fase de investigação.
A existência desse "outro juiz" (de instrução ou de garantia) é essencial. Isso porque tudo o que preso em flagrante disser, caso se dirija ao seu julgador, sem conhecer as provas que servirão de base à acusação, poderá resultar em seu prejuízo.
Agora, em São Paulo, o preso dará a sua versão dos fatos ao delegado de polícia e será deslocado ao fórum (com destacamento de viaturas e policiais) para, na presença do juiz, falar apenas sobre "questões objetivas" de sua prisão. O Brasil talvez seja caso único em que se tem a figura do delegado de polícia. Nos outros países, é o Ministério Público que realiza a investigação e o preso é encaminhado somente ao juiz, apresentando a ele toda a versão dos fatos.
É isso que precisamos decidir. Ou se aceita este modelo com interrogatório e demais atos judicias praticados pelo delegado de polícia (como a previsão legal para a concessão de liberdade provisória) ou dever-se-ia iniciar debate para a modificação do nosso sistema pré-processual penal (seguindo-se a regra mundial, com a extinção do inquérito policial, a investigação criminal presidida pelo Ministério Público e controle realizado pelo juiz).
O que não pode é continuarmos com constante desconfiança do Estado ao trabalho da polícia e com "remendos" a um sistema que aparentemente não é bem aceito.
A audiência do preso em flagrante com o juiz da causa (embora, na fase de implantação da audiência, o TJSP estabeleça que ela será feita por juízes "designados" e não pelo juiz da causa), resulta em modificação tópica sem efetividade, inclusive ao controle da legalidade da prisão.
Vê-se, assim, que a audiência de custódia à brasileira é, em verdade, mais uma tentativa de controle da atividade policial que apenas nos conduz a um ordenamento burocrático, moroso e disfuncional.
DIEGO DUTRA GOULART é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e bacharel em direito pela PUC-SP

Acessado e disponível na Internet em 17/03/2015 no endereço - 
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/03/1603586-diego-dutra-goulart--audiencia-de-custodia-a-brasileira.shtml

quinta-feira, 12 de março de 2015

"A pior pressão é aquela feita nas investigações sigilosas"

ACORDOS EM SEGREDO

"A pior pressão é aquela feita nas investigações sigilosas"


Presidente da ADPF, Marcos Leôncio Ribeiro.
Reprodução

Ao mesmo tempo em que é aplaudida pela opinião pública, sob os holofotes da famigerada operação "lava jato", a Polícia Federal tem sofrido, nos bastidores, cortes orçamentários, que impedem até viagens para investigações. Quem aponta a contradição é o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Marcos Leôncio Ribeiro.
Segundo Ribeiro, as previsões para os próximos anos não são animadoras. "A cada ano que passa, [a Polícia Federal] perde posições no ranking de atração e ingresso de novos policiais", reclama. Até 2018, avisa, centenas de servidores irão se aposentar sem que concursos públicos sejam feitos para preencher as vagas deixadas.
A corporação vem ganhando destaque no noticiário nacional com a "lava jato", que, por enquanto, tem sido enfrentada basicamente na primeira instância, onde o juiz federal Sergio Moro conduz os processos dela decorrentes. Questionado sobre o resultado de outras operações famosas, como castelo de areia e satiagraha, que, quando postas à prova em instâncias superiores desmoronaram, o presidente da ADPF afirma que falta proximidade entre Justiça e a Polícia Federal. "Que o Judiciário se aproxime da sua Polícia Judiciária para que orientações jurisprudenciais sejam postas de maneira a evitar a nulidade e o prejuízo de excelentes trabalhos de investigação policial", afirma.
Ainda sobre a operação, Ribeiro diz que é impossível compatibilizar o direito de acesso à investigação pela defesa e manter de forma prolongada uma investigação em sigilo ou segredo, "sobretudo no Brasil que adotou de forma ampla o acesso aos documentos produzidos na investigação". Para ele, o sigilo aumenta a pressão para que acusados assinem acordos que violam seus direitos. 
Eleito em abril de 2012 para gestão até dezembro de 2013 e reeleito em setembro de 2013 para gestão até dezembro de 2015, Marcos Leôncio Ribeiro é delegado da PF desde 2003 e faz pós graduação em Direito e Inteligência no combate ao crime organizado e terrorismo pela Universidade Católica de Brasília. Em entrevista por e-mail, ele falou sobre projetos de lei importantes para a PF, política, problemas da corporação e até sobre o legado da Copa do Mundo 2014 para a segurança pública.
Entre suas sugestões para melhoria da segurança nacional, está a de o Brasil investir na cooperação internacional com os países fronteiriços e com os organismos multilaterais de enfrentamento globalizado da criminalidade transnacional. O controle das fronteiras, diz Ribeiro, "é um dever de todos".
Leia a entrevista:
ConJur — O que se pode esperar do pacto nacional contra a corrupção prometido pela presidente Dilma Rousseff?
Marcos Leôncio Ribeiro — Uma boa sinalização para iniciar o pacto nacional contra corrupção é a regulamentação da Lei 12.846 de 2013 (Lei Anticorrupção), pois ao contrário dos projetos de lei de extinção de domínio e de criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos e da prática de caixa 2, tal medida depende apenas da Presidência da República. Para diminuir a sensação de impunidade no país, urge a redução dos casos de foro por prerrogativa de função e agilizar a execução de processos relativos à corrupção com início, no máximo, após o duplo grau de jurisdição. Sem uma profunda reforma política, sem regulamentação do lobby nem o fortalecimento dos órgãos de controle, de inteligência e investigação qualquer pacto terá efeitos limitados no Brasil. A Polícia Federal, por exemplo, mesmo diante da deflagração da operação “lava jato” sofre com queda nos investimentos e cortes orçamentários, até o ponto de ter as equipes policiais trabalhando sem diárias e passagens aéreas para o desempenho das investigações.

ConJur — Quais as perspectivas para os próximos quatro anos na Polícia Federal?
Marcos Leôncio Ribeiro — As previsões não são animadoras. Embora seja inquestionável o papel da instituição no enfrentamento ao desvio de recursos públicos, o pacto nacional contra a corrupção parece não contemplar a Polícia Federal. Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 412) que dispõe sobre mais autonomia para Polícia Federal, mas infelizmente está parada no Congresso Nacional. A Polícia Federal que já foi uma referência para as demais polícias do país, a cada ano que passa, perde posições no ranking de atração e ingresso de novos policiais. Até 2018, centenas de servidores irão se aposentar sem a correspondente realização de concursos públicos para suprir essas vacâncias. Policiais federais deixarão de fazer investigações para prestação de serviços burocráticos por falta de concursos para servidores administrativos. As unidades especializadas na apuração de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e crime organizado não serão instaladas pela deficiente estrutura organizacional e administrativa da Polícia Federal. O clima na Polícia Federal é de desvalorização e desmotivação, pois o governo fortaleceu nos últimos anos instituições do Ministério da Justiça como a Defensoria Pública e Polícia Rodoviária Federal, por outro lado, todos os processos estruturantes da Polícia Federal foram simplesmente arquivados no ano passado pelo Ministério do Planejamento. As perspectivas são desanimadoras posto que o governo federal tem uma forma curiosa de demonstrar seu compromisso com as suas prioridades. Até hoje não regulamentou a Lei 12.846 de 2013 (Lei Anticorrupção) e a Lei 12.855 de 2013, que institui a indenização pelo exercício nas unidades vinculadas à prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços.

ConJur — Vemos grandes operações, como satiagraha e castelo de areia, serem derrubadas no Judiciário por ilegalidades. A que se deve isso?
Marcos Leôncio Ribeiro — Recentemente fizemos um evento no Superior Tribunal de Justiça para uma reflexão sobre nulidades processuais nos inquéritos e operações policiais. A conclusão de ministros do STJ, desembargadores, juízes e delegados federais foi o distanciamento entre a Polícia Federal e Judiciário e entre a própria magistratura. Falta um diálogo e uma compreensão do papel, das dificuldades e limites de cada um. A Polícia Federal como Polícia Judiciária está carente de controle jurisdicional. [Espero] que o Judiciário se aproxime da sua Polícia Judiciária para que orientações jurisprudenciais sejam postas de maneira a evitar a nulidade e o prejuízo de excelentes trabalhos de investigação policial. A magistratura, por sua vez, também carece de um entendimento mais uniforme nas suas instâncias de forma a garantir segurança jurídica ao trabalho policial. É impossível jogar o jogo quando as regras mudam a qualquer tempo conforme o juiz.

ConJur — Agora acompanhamos a operação "lava jato" diariamente. O vazamento de informações da operação é prejudicial a seu encaminhamento? Ou ajuda, por formar pressão popular?
Marcos Leôncio Ribeiro — Investigação deve guardar o sigilo pelo tempo necessário. É impossível compatibilizar o direito de acesso à investigação pela defesa e manter de forma prolongada uma investigação em sigilo ou segredo, sobretudo no Brasil que adotou de forma ampla o acesso aos documentos produzidos na investigação. Vazamentos só ocorrem porque se perde o “timing” de tornar a investigação de conhecimento público para fins de acompanhamento e controle dela. Assim deve ser toda democracia e república: com o dever de prestar contas e de dar transparência principalmente da coisa pública. A pior pressão é aquela feita nas investigações sigilosas, em segredo, onde os envolvidos estão sujeitos à violação de seus direitos ou se submetem a acordos espúrios sem que a sociedade nada saiba.

ConJur — Antes reclamava-se que a polícia prende e o juiz solta. Hoje, muitos juízes são apontados como "fãs" da privação de liberdade. A que se deve essa mudança? Mudou a mentalidade dos juízes ou a atuação da polícia?
Marcos Leôncio Ribeiro — Era equivocada a conclusão de que a polícia prendia e o juiz soltava como também é a impressão de que os juízes são "fãs" da privação da liberdade. Como dito anteriormente, as instituições exatamente pelas lições de nulidades e operações passadas, compreenderam a necessidade de se adaptar e conhecer a realidade de cada um: a PF, os juízes e os tribunais. Aliados a isso estão lacunas legislativas que facilitavam nulidades foram aos poucos supridas. Na “lava jato” o que se assiste são profissionais capacitados a aplicar uma legislação especializada cuja sintonia com as instâncias superiores do Judiciário tem reiteradamente confirmado a legalidade das prisões decretadas mediante o significativo números de Habeas Corpus denegados no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Hoje, o sentimento entre juízes e Delegados Federais é mais de "fãs das garantias do cidadão" do que da banalização da privação de liberdade. Todavia, o que era incomum até bem pouco tempo era o emprego previsto em lei de prisão cautelar nos casos de membros de organizações com elevado poder econômico e político que atuavam livremente para inviabilizar investigações contra si. O Judiciário e a Polícia Federal estão apenas cumprindo a legislação aplicável à espécie com o advento da nova legislação de cautelares, organizações criminosas e lavagem de dinheiro.

ConJur — Qual é a posição da ADPF sobre a proposta de emenda à Constituição Federal para segurança pública em discussão entre a Presidência da República e os governadores?
Marcos Leôncio Ribeiro — Esse debate está com duas décadas de atraso. Até hoje não se regulamentou o parágrafo 7º do artigo 144 da Constituição Federal. A busca pela eficiência e integração dos órgãos responsáveis pela segurança pública no Brasil como dever do Estado e uma responsabilidade de toda a sociedade brasileira remonta ao constituinte de 1988. Todavia, tanto a União quanto os estados e os municípios, por seus poderes constituídos, foram incapazes de dotar o país de um sistema único de segurança pública. O que se espera dessa proposta de emenda à Constituição que ao menos se construa uma política de assistência técnica e financeira para a segurança pública baseada na cooperação entre os entes federativos.

ConJur — Que saída o senhor vê para a questão da segurança pública no Brasil?
Marcos Leôncio Ribeiro — As palavras mágicas são integração e cooperação. Reduzir o problema da segurança pública à reforma das polícias ou alterações legislativas são falsas soluções. A verdadeira dimensão do problema passa pela cooperação internacional entre países, uma atuação conjunta entre Defesa Nacional e Segurança Pública, a cooperação entre os entes federativos tanto nas fronteiras externas quanto internas. Na efetiva integração entre os sistemas de Justiça, segurança pública e execução penal. Não é mais possível que cada órgão integrante desses sistemas interprete a Constituição conforme a sua conveniência corporativa para negar efetividade ao direito do brasileiro à segurança pública. E cabe à sociedade exigir por intermédio da participação e controle social dos órgãos do Estado que eles passem a servir ao interesse coletivo e não de grupos e ideologias. A segurança pública requer uma parceria permanente entre sociedade e Estado; entre o público e o privado e entre os mais diversos direitos sociais.

ConJur —  Qual é o legado da Copa do Mundo de 2014 para a segurança pública?
Marcos Leôncio Ribeiro — A segurança nos eventos esportivos internacionais trouxe consigo os Centros de Comando e Controle que simbolizam muito bem esse modelo de integração e cooperação de órgãos de segurança pública e militares para o Brasil inclusive contando também com a participação e colaboração de delegações de países estrangeiros. Nesse novo conceito, os órgãos de segurança pública, policial ou não, e as forças armadas trabalham conjuntamente mediante protocolos que definem o papel de cada um. Dessa forma, os municípios, os estados e a União somam esforços. As instituições e corporações ao invés de uma concorrência predatória em que deixam de exercer suas funções para realizar dos outros, passam a atuar de forma integrada e colaborativa como previsto na Constituição Federal. Essa é a receita para o sucesso nas Olimpíadas Rio 2016. Aliás, esse modelo de integração pode ser empregado em diversas situações como foi o caso das últimas eleições gerais de 2014. Igualmente útil na segurança dos grandes centros urbanos, na realização de operações conjuntas nas diversas regiões e nas fronteiras do país. E no Brasil, que possui na segurança privada um verdadeiro “exército”, não se pode ignorar a necessidade de parceria público-privada na área de segurança pública.

ConJur — A Polícia Federal tem condições para controlar a entrada de drogas e armas nas fronteiras?
Marcos Leôncio Ribeiro — É um erro atribuir a responsabilidade pelo controle nas fronteiras apenas à Polícia Federal. É um dever e responsabilidade de todos. O Brasil precisa investir na cooperação internacional com os países fronteiriços e com os organismos multilaterais de enfrentamento globalizado da criminalidade transnacional. Assim como, estimular ações articuladas entre as Forças Armadas e órgãos de segurança pública dos municípios, estados e da União. Dessa forma, a ajuda da aduana, polícias rodoviária, militar e civil, além das guardas municipais é importante para o desafio de controlar as fronteiras de um país continental como o Brasil. Outro equívoco é pensar fronteira apenas entre países, deixando abandonada a segurança entre as metrópoles brasileiras, os estados e as regiões do país. O tráfico nas suas diversas formas não faz essa diferenciação para sua repercussão internacional ou interestadual. Por exemplo, o comércio ilegal de armas e explosivos internamente tem significativa participação nos índices de violência do país.

ConJur — Em São Paulo foi lançado um projeto piloto de audiência de custódia, seria esse também o caso de uma boa prática de integração para segurança pública?
Marcos Leôncio Ribeiro — A audiência de custódia traz uma relevante discussão sobre integração entre os órgãos de segurança, Justiça e execução penal. O fenômeno da superpopulação carcerária, presos provisórios com direito a julgamento em prazo razoável, a reincidência e a sensação de insegurança da sociedade estão no contexto do debate sobre essa interessante iniciativa. Não é justo manter preso alguém sem julgamento e de forma indefinida. Igualmente injusto é deixar solto sem qualquer fiscalização e assistir a continuidade delitiva com o aumento da percepção de insegurança e impunidade. De fato, é preciso evitar a lógica perversa do encarceramento desmedido. As estratégias nacionais de alternativas à prisão provisória e mediação penal são relevantes para isso. No interior de São Paulo tem um projeto piloto interessante chamado Núcleo Especial Criminal (Necrim) que, no mesmo espírito da audiência de custódia, busca a conciliação para os delitos de menor potencial ofensivo por intermédio da integração entre os órgãos de segurança pública e Justiça. A título de aperfeiçoamento da audiência de custódia, além de iniciativas como o Necrim, é salutar ampliar a realização de videoconferências e o rol de medidas cautelares alternativas à prisão para aplicação pelo Delegado de Polícia, sob supervisão judicial, e acompanhamento do Ministério Público e do defensor. Ademais, o sistema de execução penal precisa se reestruturar para efetivamente fiscalizar o cumprimento das condicionantes e garantias para soltura e liberdade do preso, sobretudo com o emprego de inovações tecnológicas como monitoração eletrônica. Por fim, a tão esperada reforma no sistema recursal para permitir julgamentos em tempo razoável.

ConJur — Como o senhor vê a crítica ao inquérito policial e os baixos índices de solução de homicídios no Brasil?
Marcos Leôncio Ribeiro — Os críticos do inquérito policial no Brasil são os mesmos que defendem Auto de Resistência como instrumento para apurar mortes decorrentes de ação policial. A legislação brasileira determina a abertura de inquérito policial para apuração desses casos, mas em muitos lugares do país isso não é feito exatamente para não se investigar as circunstâncias dessas mortes. O inquérito deve se constituir uma garantia formal de apuração em favor dos direitos humanos. Os críticos esquecem que há estados brasileiros com índices de elucidação de homicídios dentro dos padrões internacionais. Infelizmente, nenhum procedimento investigatório ou polícia no mundo será capaz de solucionar de forma eficiente 50 mil homicídios/ano. O inquérito não será capaz de suprir as deficiências das políticas de prevenção e de ressocialização ou ausência de órgãos periciais. Os críticos do inquérito, quando investigam, mudam apenas a sua nomenclatura sem, contudo modificar o seu procedimento. Em suma, é um inquérito como outra denominação. A violência e a morte de qualquer cidadão devem ser formalmente apuradas. Sobre a ação policial não deve pairar nenhuma dúvida. É inquestionável a máxima que violência gera violência. Assim como não se pode ignorar que os policiais também são vítimas esquecidas dessa violência. Portanto, defendemos o inquérito policial em lugar do auto de resistência e, como nos países com baixa letalidade policial, igualmente o agravamento e a punição rigorosa dos homicídios, cujas vítimas são policiais.

ConJur — Qual é a importância das operações da Polícia Federal no processo de investigação das organizações criminosas?
Marcos Leôncio Ribeiro — É importante esclarecer que tecnicamente todas as operações da Polícia Federal são, na verdade, inquéritos policiais nos quais foram empregados técnicas especiais de investigação em razão da complexidade da organização criminosa investigada. Essas técnicas e os meios de obtenção de prova decorrem da evolução da doutrina policial e do desenvolvimento da legislação para enfrentamento da criminalidade organizada transnacional. A Polícia Federal, entre outras instituições, teve e tem um papel de protagonista na modernização da legislação nacional com o objetivo de situá-la dentro dos padrões internacionais. Para tanto, o aprendizado e a experiência decorrente de suas operações e inquéritos policiais são fundamentais como, aliás, ocorreu nas leis 12.683 de 2012 (lavagem de dinheiro) e 12.850 de 2013 (crime organizado), as quais atualmente são tão úteis para operação “lava jato”.

ConJur — O nível de autonomia da Polícia Federal é satisfatório? Há muita pressão política?
Marcos Leôncio Ribeiro — A autonomia de uma instituição que deseja se consolidar como uma polícia republicana e como órgão de Estado e, não deste ou daquele governo, é um processo permanente que requer uma eterna vigilância. Houve, com certeza, avanços institucionais recentemente. A aprovação das leis 12.830 de 2013, 13.034 e 13.047 de 2014 se constituiu marco regulatório que trouxe mais segurança jurídica para a organização e o funcionamento da Polícia Federal na condução de suas investigações. Todavia, há muito ainda por se conquistar. Não há verdadeiramente uma autonomia sem que a própria Polícia Federal possa prover seus recursos humanos, materiais e financeiros. A enorme limitação orçamentária e financeira a qual é submetida se constitui óbice para a desejada autonomia institucional. No Brasil, ainda persiste o costume nada republicano de querer subordinar uma instituição a outra, como se fosse possível determinar à Polícia Federal que faça ou deixe de fazer algo em virtude da vontade de uma pessoa como o ministro da Justiça ou de outra instituição como, por exemplo, o Ministério Público. Uma polícia republicana deve agir conforme a lei. Nem mais nem menos. O seu controle finalístico é pautado pela prestação qualificada de serviços públicos à sociedade. A essa sociedade cabe, portanto a vigilância para que a Polícia Federal não seja desviada de sua finalidade de servir ao interesse público e goze da autonomia necessária ao cumprimento de sua missão.

 é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2015, 14h15