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"Eu não recearia muito as más leis se elas fossem aplicadas por bons juízes. Não há texto de lei que não deixe campo à interpretação. A lei é morta. O magistrado vivo. É uma grande vantagem que ele tem sobre ela" - Anatole France

domingo, 7 de janeiro de 2018

O ESTADO CRIMINOSO!


BLOG



O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat









O Estado criminoso

O Estado brasileiro, um dos mais caros e ineficazes do mundo, está pelo avesso e precisa ser urgentemente reinventado










Forças Armadas fazem patrulhamento nas ruas de Natal (RN). O Ministério da Defesa anunciou ontem o envio de 2 mil homens para reforçar a segurança no Rio Grande do Norte. (Vitorino Junior/Photopress/Estadão Conteúdo)
A greve no setor de segurança pública do Rio Grande do Norte é, como se diz, mais do mesmo. Repete, no formato, na motivação e nas consequências, as ocorridas anteriormente em outros estados: salários baixíssimos e, como se não bastasse, em atraso.
Profundo atraso. Somente agora, depois da baderna instalada, o governador Robson Faria veio a público garantir que, enfim, pagará o salário de outubro. Isso mesmo: outubro. E o faz em tom triunfal, de quem presta um favor aos mal-agradecidos funcionários.
Não há verba, diz o governador, cujo salário, no entanto, assim como o dos integrantes do Legislativo e do Judiciário locais, está em dia. O atraso é apenas para o baixo clero do funcionalismo.
No Rio de Janeiro, aguarda-se o pagamento do 13º de 2016 e os salários em atraso foram parcelados. Como algumas parcelas também atrasam, há o sub-parcelamento do parcelamento.
Não há verba, repetem todos. Mas, no riquíssimo estado de Roraima, por exemplo, a Assembleia Legislativa acaba de se autoconceder mais um aditivo salarial: um auxílio-paletó, de R$ 25 mil, benefício vigente em suas congêneres de diversos estados.
Um soldado da Polícia Militar do Rio Grande do Norte ganha (quando ganha, claro) R$ 2,7 mil mensais. O do Rio de Janeiro, um pouco mais: R$ 3,2 mil. Mas um deputado estadual potiguar ganha, sem atraso, R$ 25 mil mensais, além de verba indenizatória, ajuda de custo, verba para contratação de assessores (nove por gabinete), num total anual per capta de R$ 1.157.556,60. Sem atraso.
A greve da Polícia Militar do Espírito Santo, ano passado, deixou um rastro de mais de cem mortos, vítimas da ação livre dos bandidos. Foi preciso, antes como agora, a intervenção das Forças Armadas, que, aos poucos, se transformam em força policial de reserva. A Constituição proíbe greve de militar – e a PM aí se insere.
Ocorre que a mesma Constituição (artigo 7º) obriga que os salários sejam pagos pontualmente pelo empregador, “constituindo crime sua retenção dolosa” (inciso X). Quem responde por isso?
Não é casual que o Brasil seja campeão mundial em criminalidade, com índice de homicídios de guerra civil (cerca de 70 mil por ano). Prioridade à segurança é apenas discurso de campanha. Na prática, não existe. E os baixos salários são apenas parte do problema, a que se somam o péssimo equipamento de trabalho.
A responsabilidade, no entanto, está longe de ser apenas de governadores perdulários – quando não, ladrões mesmo.
Há uma bagunça salarial no Estado brasileiro, que permite que um soldado da PM, que arrisca diariamente a vida, ganhe em média um quarto de um capinha do Supremo Tribunal Federal.
Capinha é o apelido que têm os assistentes de plenário – salários de R$ 12 mil – de cada um dos onze ministros do STF. Estes, nas sessões, trajam solenes capas pretas, que se estendem até os pés, enquanto a capa de seus auxiliares vai apenas até a cintura; daí o apelido, digamos, carinhoso.
Têm por missão (os capinhas) servir água e cafezinho ao respectivo ministro, puxar-lhe a cadeira para sentar e atendê-lo em pequenas solicitações quando em plenário. Segurança máxima, dois meses de férias anuais e salários pontualíssimos, equivalentes aos de um general-de-Exército, posto máximo das Forças Armadas.
O STF tem mais de dois mil funcionários (só de recepcionistas há 230) para atender onze ministros.
Não é uma anomalia isolada. Garçons e ascensoristas da Câmara e do Senado, por exemplo, chegam a receber salários de até R$ 15 mil. E o mesmo se dá em diversas câmaras municipais e assembleias legislativas país afora. A Câmara Municipal de São Paulo, outro espantoso exemplo, paga R$ 9,7 mil a engraxates e R$ 6,7 mil a barbeiros. Se numa cidade como São Paulo, com alta cobertura da mídia, isso ocorre, imagine-se nos rincões do país.
Não se trata apenas do valor anômalo do salário, mas do despropósito de tais funções, alheias à atividade-fim dessas instituições, o que só se explica pela profunda anarquia administrativa do Estado, sem transparência e fora do controle.
Dinheiro, há – o Brasil, afinal, é uma das dez maiores economias do mundo -, mas está distribuído de maneira criminosa, sem qualquer senso de proporção e prioridade, ao sabor de quem tem maior poder de pressão. Saúde e segurança, setores que afetam diretamente o grosso da população, são, em regra, negligenciados.
E o resultado é o que ocorre no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Amazonas e em toda parte. Agora, por exemplo, em Aparecida de Goiânia, novo motim penitenciário – rotina no país – deixou nove mortos, 14 feridos graves e permitiu a fuga de mais de uma centena de presos.
O Estado brasileiro, um dos mais caros e ineficazes do mundo, está pelo avesso e precisa ser urgentemente reinventado. Caso contrário, teremos sempre mais do mesmo.


Acessado e disponível na Internet em 07/01/2018 no endereço eletrônico -  https://veja.abril.com.br/blog/noblat/o-estado-criminoso/

INSEGURANÇA PÚBLICA, DESCASO OU CRIME?


O acompanhamento presencial do representante do Ministério Público nos atos de polícia judiciária, sem a necessidade de repetição na fase judicial, proporcionaria economia processual, de tempo e de recursos, com efetivo ganho de credibilidade e valoração na investigação policial e promoção da justiça.
O Brasil vive uma das maiores crises na segurança pública, embora a grande maioria da população ainda não tenha se dado conta do que está ocorrendo. Esse desconhecimento decorre do marketing governamental, principalmente em relação aos governos estaduais, que tem vendido a falsa idéia de diminuição nos números indicativos de incidência de criminalidade. Além desse fator, há um alto índice de notificações de crimes não realizadas pela população em razão do descrédito nos órgãos policiais, que aliado a maquiadura dos índices estatísticos, produz os números satisfatórios alardeados pelo governo. O cidadão mediamente informado e, que lê as páginas policiais, sabe que nunca se viveu tão perigosamente, não somente nas grandes cidades, mas também no interior, onde o crime tem feito vítimas todos os dias. A falta de políticas públicas e de gestão profissional na área de segurança tem desperdiçado o dinheiro público com direcionamento inadequado e pouco producente nos órgãos policiais do estado. O crime não respeita ideologia ou classe social. A idéia de que a criminalidade somente atingia as classes sociais menos favorecidas, residentes nas periferias está escancaradamente desmentida. As residências de empresários, políticos e autoridades do executivo tem sido alvo da marginalidade. Ninguém mais está a salvo. O que está faltando acontecer para que as autoridades responsáveis acordem de seu sono esplêndido?
A situação merece uma reflexão e uma tomada de posição, pois o sistema de segurança pública no Brasil está falido. O descaso e o investimento insuficiente remontam de décadas de gestão política temerária e, em alguns casos até criminosa, nos órgãos policiais.
Paradoxalmente, após a abertura política no Brasil, houve um fortalecimento nas ações da Polícia Militar em detrimento da Polícia Civil, cujo sucateamento foi orquestrado em todo país. É cediço que as prisões em flagrante realizadas pela Polícia Militar, embora alimentem as estatísticas do governo, no sentido de mostrar uma ação enérgica no combate ao crime, não atingem o crime organizado de maneira eficaz. Em relação ao tráfico de entorpecente então, a realidade é assustadora. Diariamente são presos “traficantes” que comercializam algumas pequenas porções de entorpecentes, verdadeiras “formigas” que são imediatamente substituídas, quando de suas prisões. Os financiadores do tráfico e àqueles que importam a droga não são presos, pois não há uma investigação eficiente, uma vez que a polícia investigativa vem sendo alijada já há alguns anos. Será coincidência que isso esteja ocorrendo em todo o país? A quem interessa o enfraquecimento da investigação criminal no Brasil? O fato é que o crime organizado já se infiltrou em todos os seguimentos da sociedade. Empresários, políticos, agentes públicos, nenhuma dessas categorias está imune a cupidez pelo ganho ilícito da corrupção. A grande maioria da população pode até acreditar que os grandes traficantes são os “Beiras Mar” da vida. Para quem tem um pouco de noção dos fatos, sabe que esses são apenas “testas de ferro”.  A ponta de um grande “iceberg” do crime organizado no Brasil.
Infelizmente o nosso sistema normativo não prevê responsabilização de governantes por gestão medíocre nas áreas de educação, saúde e segurança pública. Um absurdo que ocorre nesse país, pois, a gestão temerária nessas áreas constitui verdadeiros crimes de lesa pátria, com milhares de vítimas sem voz todos os dias.
A sociedade está desamparada. Quem tem recursos investe em segurança particular; e quem não tem?
A segurança pública é direito do cidadão e dever do Estado, assim preceitua a Carta Magna. No âmbito estadual a atribuição é dividida entre a polícia militar e a polícia civil. A primeira compete o policiamento ostensivo com o objetivo maior de inibir o criminoso a cometer o crime, enquanto, a polícia civil cabe a investigação para apuração da autoria e a colheita de provas para prover o Ministério Público no oferecimento da denúncia. A alta incidência criminal e o baixo número de esclarecimentos de autoria de crimes denotam que as duas polícias não estão cumprindo suas funções eficientemente. A disputa entre as duas polícias é evidente, embora os governos insistam em jogar areia nos olhos da população, alegando que há um entrosamento nos órgãos policiais. As mazelas das duas polícias também são públicas e notórias. Corrupção, prevaricação e, numa enxurrada nacional, espocam notícias diárias da ação, por todo país, de grupos de extermínio, formados quase que invariavelmente por policiais militares. Há de se observar que essas ocorrências não são circunspectas a este ou aquele estado da federação. Portanto, o atual modelo de segurança pública nacional já não funciona mais. Apesar disso, quando se trata de se analisar a segurança pública, muitos “especialistas” dão seus palpites, dentre estes advogados, promotores, psicólogos e até bombeiros. Talvez sejam excelentes profissionais nas suas áreas de atuação, mas não entendem nada de segurança. Por incrível que pareça os profissionais de polícia que atuam nesse mister não são ouvidos.
A necessidade de uma reengenharia nos órgãos de segurança é premente. Alguns defendem a unificação das polícias estaduais, mas, face aos lobbys corporativistas contrários a essa proposta no congresso e a resistência da grande maioria dos governadores, dificilmente isso ocorrerá.
Há algum tempo atrás defendemos, em artigo amplamente divulgado na internet, o Ciclo Completo de Polícia Judiciária. Nesse modelo, a polícia civil estaria encarregada do policiamento ostensivo, com parte de seu efetivo uniformizado, como também da investigação dos crimes e dos procedimentos de polícia judiciária, com atuação harmônica. À polícia militar caberiam as ações de enfrentamento tático a grupos criminosos armados, ações de defesa civil e controle de distúrbios civis. Evidentemente os efetivos e as atribuições das duas polícias teriam que ser reformulados. Dentre as alterações normativas, a Carta Magna teria que ser emendada. As dificuldades para isso já foram acima elencadas.
Recentemente surgiu a idéia de se integrar as delegacias aos gabinetes dos promotores de justiça, com o fito de se preparar o inquérito policial com o suporte probatório mais eficiente ao oferecimento da denúncia, com o acompanhamento pelo parquet, sendo que as atividades de direção da polícia judiciária e os procedimentos de investigação continuariam sob responsabilidade do Delegado de Polícia. O Promotor de Justiça teria a incumbência de indicar de imediato as provas necessárias para a denúncia, bem como funcionar como fiscal da lei na formalização dos depoimentos, quebra de sigilos, etc.
Na esteira dessa idéia, talvez se encontre uma solução para alguns entraves de ordem administrativa no entrosamento das polícias civil e militar, e outro de ordem legal no âmbito dos procedimentos judiciais. Em face do sistema inquisitorial adotado na investigação policial no Brasil, todos os depoimentos têm que ser novamente repetidos em juízo, onde há o contraditório. Não raramente, testemunhas que prestam informações valiosas nas delegacias, mudam seus depoimentos em juízo, quer por medo dos autores dos crimes, quer por orientação de seus advogados em razão de seu grau de comprometimento com os fatos objeto do procedimento judicial. Não pode se olvidar ainda os casos de testemunhas que são constrangidas a prestar depoimentos para validar teses investigativas. Não importa, em quaisquer dessas circunstâncias o prejuízo é grande para a justiça.
Assim nos parece que um sistema misto compreendendo o sistema inquisitorial na fase de investigação com contraditório nos depoimentos seria extremamente interessante. O depoimento prestado perante o Delegado de Polícia, com o acompanhamento presencial do representante do Ministério Público, bem como a gravação desses procedimentos em vídeo, tornaria dispensável a repetição do depoimento em juízo, exceto em caso de dúvida suscitada com base em provas supervenientes ou a critério do Juiz.
O sistema proposto funcionaria da seguinte forma:
1.     Polícia Militar responsável pelo policiamento ostensivo, inclusive com a atribuição dos registros de notícias-crime para apreciação da autoridade de polícia judiciária e alimentação do banco de dados criminais, a ser utilizado pelos órgãos de segurança. No desempenho dessas atribuições não há necessidade de nenhuma alteração de norma federal.
2.     Polícia Civil responsável pela investigação, apuração de autoria das infrações penais, e demais atos concernentes a polícia judiciária sob a direção do Delegado de Polícia, com o acompanhamento presencial de representante do Ministério Público nas oitivas de testemunhas e procedimentos destinados a violação legal de sigilo de telecomunicações e bancário.  As delegacias de polícia passariam a funcionar em sede de fóruns nas comarcas, com Delegados de Polícia e Promotores de Justiça, designados para funcionarem junto à polícia judiciária. Atualmente os Ministérios Públicos dos estados já têm promotores designados para o acompanhamento de alguns procedimentos de polícia judiciária, portanto, não haveria dificuldade em se criar um seguimento funcional para o acompanhamento específico das atividades diuturnas de polícia judiciária. Em alguns sistemas estrangeiros, o representante do Ministério Público desenvolve suas funções em conjunto com a polícia antes da apresentação do caso para apreciação judicial. As alterações necessárias no código de processo penal, no que tange as mudanças nas atribuições do Ministério Público e da Autoridade Policial são de rito legislativo ordinário, sem a extrema dificuldade que ocorre numa alteração da Carta Magna.
Sedimentadas as atribuições das polícias, civil e militar, poder-se-á, quem sabe nesse novo modelo, haver um real entrosamento nas atividades de segurança pública. O acompanhamento presencial do representante do Ministério Público nos atos de polícia judiciária, sem a necessidade de repetição na fase judicial, proporcionaria, nesse modelo proposto, economia processual, de tempo e de recursos, com efetivo ganho de credibilidade e valoração na investigação policial e promoção da justiça.
Apesar do quadro caótico atual dos órgãos policiais em todo país, ainda há uma gama enorme de homens e mulheres que amam e desempenham suas funções com o sacrifício do bem estar e segurança de suas famílias. Esses policiais brasileiros são massacrados diariamente no exercício de suas funções em condições de trabalho desumanas e salários aviltantes, com o vilipêndio moral da pecha de corruptos, imposto pela imprensa, em face do comportamento de alguns que se desviaram do caminho da lei.
O alerta está aí. A sociedade precisa acordar e exigir mudanças nas políticas governamentais, do contrário nossos filhos e netos amargarão um estado de violência e morte comparável a uma guerra civil.

Acessado e disponível na Internet no endereço eletrônico - https://jus.com.br/artigos/23044/inseguranca-publica-descaso-ou-crime
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Artigo escrito em 2012, no entanto, parece que foi ontem! Profético ou resultado de orquestração pela política podre deste país, excetuada honrosas exceções?

"PM não serve para combater crime"

Sociedade

Violência urbana


"PM não serve para combater crime"

Francisco Jose Aguilar Urbina, da Universidade da Paz, da Costa Rica, defende que polícias civis que atuam com a população e não contra ela
por Deutsche Welle — publicado 06/08/2014 04:37, última modificação 06/08/2014 04:42
Spensy Pimentel


polícia-repressão
Para especialista, policiais devem ver população como parceira na prevenção de delitos e não como um inimigo em potencial
Decano da Universidade da Paz da Costa Rica, instituição vinculada às Nações Unidas, Francisco Jose Aguilar Urbina argumenta que a formação militar impede a aproximação das polícias com a comunidade e cria a ideia de uma sociedade inimiga. O ex-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU defende que a polícia brasileira complete o processo de redemocratização ainda em cursono país e ganhe um caráter civil. "A consequência será visível: a polícia vai atuar com a população e não contra ela", garante.
DW: Como se estrutura a segurança pública na Costa Rica?
Francisco Jose Aguilar Urbina: A polícia da Costa Rica é um órgão subordinado ao Ministério de Segurança Pública. É uma polícia nacional que tem suas especializações, como a força policial de controle de drogas e a polícia turística. A polícia investigativa não depende do Poder Executivo. Ela está vinculada à Corte Suprema de Justiça. Todas as polícias do país têm um caráter civil. No arsenal, não há armas de grosso calibre, nem tanques, nem canhões. É uma polícia com treinamento civil.
DW: O treinamento tem foco na formação em direitos humanos e em cidadania?
FJAU: É parte essencial da educação de um policial não apenas na Costa Rica, mas em qualquer país que tenha uma polícia não militarizada.
DW: O modelo tem dado certo?
FJAU: A Costa Rica é um dos países mais seguros da América Latina. Acredito que a pergunta deva ser feita ao contrário: uma polícia militarizada serve para combater o crime? E a resposta, invariavelmente, é não.
DW: Por quais motivos?
FJAU: O treinamento militar e o treinamento policial são essencialmente distintos. O treinamento militar consiste em eliminar um inimigo muito bem definido. Já o treinamento policial serve para prevenir a delinquência e proteger a população de atos criminosos comuns. O soldado não está treinado para isso. Um policial deveria estar treinado para ajudar a prevenir delitos, e basear suas ações na cidadania.
DW: No Brasil, se discute a proposta de desmilitarização das polícias e a independência da corporação do Exército. É um caminho?
FJAU: Uma das desgraças que temos na América Latina é o fato de que muitas polícias são heranças da ditadura. Elas seguem uma lógica militar, não uma lógica civil. Fico contente por o Brasil estar refletindo sobre esse tema. A consequência será visível: a polícia vai atuar com a população e não contra a população. Os policiais verão a população como uma parceira ativa na prevenção de delitos e não como inimiga ou um potencial a ser suprimido.
DW: Qual seria a melhor forma de implementar esse modelo?
FJAU: Na Costa Rica, a polícia é centralizada, apesar de haver unidades policiais municipais relativamente pequenas. Temos que considerar que a população da Costa Rica é apenas um terço da população de São Paulo. No Brasil, provavelmente, funcione melhor um sistema de polícia descentralizado, com polícias municipais e estaduais. Eu acredito que possa haver uma coordenação entre todas sem que sejam necessariamente centralizadas. Um exemplo é a polícia dos Estados Unidos. À exceção do FBI, uma polícia muito especializada de investigação, o sistema de segurança se baseia em polícias locais. É um exemplo que o Brasil pode seguir.
DW: E a proximidade com a população?
FJAU: Para mim, isso é essencial. Nesses dias vi dois policiais fazendo uma ronda, comecei a conversar e eles perguntaram se eu poderia lhes dar um copo de água. Eu levei e conversamos tranquilamente. Posso dar outro exemplo: uma amiga hondurenha e eu fazíamos uma investigação na Costa Rica e seguimos caminhando com alguns policiais. Ela não entendia como era possível conversar com eles daquela forma descontraída. Mas, para mim, o que não é normal é ver policiais com metralhadoras de alto poder de fogo em Tegucigalpa [capital de Honduras], uma das cidades mais perigosas do mundo. E o interessante é isso: comparar os índices de criminalidade de Tegucigalpa e San José [capital da Costa Rica]. Esse é um bom exemplo para que se entenda a necessidade de uma polícia civil, e não de uma polícia militarizada.
  • Autoria Karina Gomes
  • Edição Rafael Plaisant


Acessado e disponível na Internet em 07/01/2018 no endereço eletrônico -
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/policia-militar-nao-serve-para-combater-crime-diz-especialista-4167.html