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domingo, 7 de janeiro de 2018

"PM não serve para combater crime"

Sociedade

Violência urbana


"PM não serve para combater crime"

Francisco Jose Aguilar Urbina, da Universidade da Paz, da Costa Rica, defende que polícias civis que atuam com a população e não contra ela
por Deutsche Welle — publicado 06/08/2014 04:37, última modificação 06/08/2014 04:42
Spensy Pimentel


polícia-repressão
Para especialista, policiais devem ver população como parceira na prevenção de delitos e não como um inimigo em potencial
Decano da Universidade da Paz da Costa Rica, instituição vinculada às Nações Unidas, Francisco Jose Aguilar Urbina argumenta que a formação militar impede a aproximação das polícias com a comunidade e cria a ideia de uma sociedade inimiga. O ex-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU defende que a polícia brasileira complete o processo de redemocratização ainda em cursono país e ganhe um caráter civil. "A consequência será visível: a polícia vai atuar com a população e não contra ela", garante.
DW: Como se estrutura a segurança pública na Costa Rica?
Francisco Jose Aguilar Urbina: A polícia da Costa Rica é um órgão subordinado ao Ministério de Segurança Pública. É uma polícia nacional que tem suas especializações, como a força policial de controle de drogas e a polícia turística. A polícia investigativa não depende do Poder Executivo. Ela está vinculada à Corte Suprema de Justiça. Todas as polícias do país têm um caráter civil. No arsenal, não há armas de grosso calibre, nem tanques, nem canhões. É uma polícia com treinamento civil.
DW: O treinamento tem foco na formação em direitos humanos e em cidadania?
FJAU: É parte essencial da educação de um policial não apenas na Costa Rica, mas em qualquer país que tenha uma polícia não militarizada.
DW: O modelo tem dado certo?
FJAU: A Costa Rica é um dos países mais seguros da América Latina. Acredito que a pergunta deva ser feita ao contrário: uma polícia militarizada serve para combater o crime? E a resposta, invariavelmente, é não.
DW: Por quais motivos?
FJAU: O treinamento militar e o treinamento policial são essencialmente distintos. O treinamento militar consiste em eliminar um inimigo muito bem definido. Já o treinamento policial serve para prevenir a delinquência e proteger a população de atos criminosos comuns. O soldado não está treinado para isso. Um policial deveria estar treinado para ajudar a prevenir delitos, e basear suas ações na cidadania.
DW: No Brasil, se discute a proposta de desmilitarização das polícias e a independência da corporação do Exército. É um caminho?
FJAU: Uma das desgraças que temos na América Latina é o fato de que muitas polícias são heranças da ditadura. Elas seguem uma lógica militar, não uma lógica civil. Fico contente por o Brasil estar refletindo sobre esse tema. A consequência será visível: a polícia vai atuar com a população e não contra a população. Os policiais verão a população como uma parceira ativa na prevenção de delitos e não como inimiga ou um potencial a ser suprimido.
DW: Qual seria a melhor forma de implementar esse modelo?
FJAU: Na Costa Rica, a polícia é centralizada, apesar de haver unidades policiais municipais relativamente pequenas. Temos que considerar que a população da Costa Rica é apenas um terço da população de São Paulo. No Brasil, provavelmente, funcione melhor um sistema de polícia descentralizado, com polícias municipais e estaduais. Eu acredito que possa haver uma coordenação entre todas sem que sejam necessariamente centralizadas. Um exemplo é a polícia dos Estados Unidos. À exceção do FBI, uma polícia muito especializada de investigação, o sistema de segurança se baseia em polícias locais. É um exemplo que o Brasil pode seguir.
DW: E a proximidade com a população?
FJAU: Para mim, isso é essencial. Nesses dias vi dois policiais fazendo uma ronda, comecei a conversar e eles perguntaram se eu poderia lhes dar um copo de água. Eu levei e conversamos tranquilamente. Posso dar outro exemplo: uma amiga hondurenha e eu fazíamos uma investigação na Costa Rica e seguimos caminhando com alguns policiais. Ela não entendia como era possível conversar com eles daquela forma descontraída. Mas, para mim, o que não é normal é ver policiais com metralhadoras de alto poder de fogo em Tegucigalpa [capital de Honduras], uma das cidades mais perigosas do mundo. E o interessante é isso: comparar os índices de criminalidade de Tegucigalpa e San José [capital da Costa Rica]. Esse é um bom exemplo para que se entenda a necessidade de uma polícia civil, e não de uma polícia militarizada.
  • Autoria Karina Gomes
  • Edição Rafael Plaisant


Acessado e disponível na Internet em 07/01/2018 no endereço eletrônico -
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/policia-militar-nao-serve-para-combater-crime-diz-especialista-4167.html