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terça-feira, 2 de julho de 2013

Relatório da Polícia Civil revela que a facção do PCC já atua em países vizinhos

Crime multinacional
 
Eduardo Velozo Fuccia
 
A facção criminosa Primeiro Comando da  Capital (PCC) expandiu a sua atuação, com especial interesse ao tráfico de entorpecentes, para mais 14 unidades da federação (13 estados e o Distrito Federal), além de São Paulo, fazendo-se também presente em países como Colômbia, Bolívia e Paraguai.
Sequer cogitada em um passado recente pela cúpula da Secretaria da Segurança Pública paulista, por minimizar a força da facção no próprio Estado de São Paulo, a expansão do PCC agora é constatada em documento sigiloso do Departamento de Inteligência da Polícia Civil (Dipol), sob a gestão do atual secretário, Fernando Grella Vieira.
Denominado Relint (sigla de relatório de inteligência) e obtido com exclusividade por A Tribuna, o documento é deste ano  exibe uma completa radiografia da organização, com o seu atual organograma e a menção dos ocupantes dos principais postos de comando, como forma de difundir essas informações ao corpo de policiais civis e propiciar ações repressivas mais eficazes.
Segundo destaca o Relint, o “partido”, conforme os integrantes do PCC a ele se referem, está   presente em São Paulo, Santa Catarina, Rio  de Janeiro, Paraná , Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Pernambuco, Ceará, Piauí, Paraíba, Roraima e Distrito Federal.
No cenário internacional, o estudo da inteligência da Polícia Civil paulista detecta a estratégica infiltração na Bolívia e Colômbia, países que são fortes produtores de drogas, e também no Paraguai, país de fácil aquisição de armamento e rota de entrada de entorpecentes e armas no Brasil.
Estrutura empresarial

Sob a bandeira de combater a opressão a detentos, o PCC foi criado em 31 de agosto de 1993, por oito presos que cumpriam suas penas no Piranhão, como é conhecido pela população carcerária o anexo da Casa de Custódia de Taubaté, no Vale do Paraíba. Mas a facção se expandiu e passou a planejar e a controlar crimes, em especial o tráfico.
Com o crescimento, e o equivalente aumento da sua arrecadação em dinheiro, decorrente de mensalidades pagas pelos seus integrantes e de recursos provenientes do comércio de drogas, da locação de armas, de roubos, de sequestros e de outros crimes, o PCC passou a ter um gerenciamento que lembra uma estrutura empresarial.
Essa atuação com nuances de empresa é constatada no relatório do Dipol. O estudo da Polícia Civil detecta, atualmente, uma divisão de tarefas, por meio de dez “sintonias gerais”, para cuidar das estruturas financeira, operacional, jurídica, internacional, de controle de pessoal e de “expansão de poder” do PCC.
As sintonias gerais estão subordinadas a uma espécie de conselho gestor composto por sete membros, reconhecidos dentro do PCC como “sintonias gerais finais”.Estas, por sua vez, prestam contas ao líder máximo da facção, ou sintonia geral do comando, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola.
Preso na Penitenciária II de Presidente Venceslau,supostamente de segurança máxima, Marcola é apontado no Relint como umapessoa fria,calculistaedotada de inteligência e intelectualidade superiores às dos demais líderes. Com ascendência psicológica sobre os comparsas, supervisiona as sintonias gerais finais e tem poder de veto sobre as decisões inferiores.

Para jurista, quadro é dramático

Jurista especializado em organizações criminosas, Wálter Fanganiello Maierovitch faz duas considerações preliminares sobre o Relint. Sobre o caráter reservado do documento, ele dispara a seguinte crítica: “É uma lástima que isso seja secreto, quando a população precisa saber a dimensão dessa rede PCC”. Em relação ao teor do relatório, adverte: “É um quadro dramático, que precisa ser enfrentado”.
Com a autoridade e o conhecimento de causa de quem já foi secretário nacional antidrogas da Presidência da República, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e fundador e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais lembra que, em dezembro de 2000, a Convenção de Palermo (Itália) já alertava sobre a atuação das máfias e as pré-máfias, como é o caso do PCC.
“O PCC tem controle de territórios, além dos presídios, comandando bairros e morros. Quem tem esse controle também detém o controle social. É uma organização em rede, que nunca teve afetado o seu patrimônio. Combatê-lo é desfalcar a sua economia, mas o Governo faz uma política de avestruz e esconde a cabeça na terra, talvez por não ter capacidade para enfrentar o problema”, afirma Maierovitch.
O Governo paulista “é especialista em culpar as regiões de fronteiras pela entrada de drogas no País, mas não controla os insumos químicos que saem do Estado e são destinados à sua produção. A indústria química nacional não tem nenhum controle”, acrescenta o jurista. Os países andinos produtores de cocaína não possuem indústrias químicas, que existem no Brasil e se concentram mais no eixo Rio-São Paulo.
Comparando o PCC com organizações criminosas mundiais, Maierovitch o classifica de “pré-máfia”. Para alcançar o estágio de máfia, o jurista explica que a facção surgida nos presídios paulistas, mais que solidificar a sua transnacionalidade, deve lavar e reciclar capitais para investi-los em atividades formalmente legais, como faz, por exemplo, a ’Ndrangheta (máfia da Calábria, no sul da Itália, poderosa pelo seu alto faturamento).

‘Nunca negamos facções criminosas’, diz Fernando Grella

Eduardo Velozo Fuccia
Créditos: Arquivo/A Tribuna
Grella: integração das polícias e recorde histórico
Em maio do ano passado, quando o seu trabalho à frente da Secretaria da Segurança Pública (SSP) era colocado em xeque por diversos setores devido ao recrudescimento da criminalidade no Estado, principalmente em razão de ações atribuídas ao Primeiro Comando da Capital, o então titular da pasta, Antonio Ferreira Pinto, declarou que “o PCC são no máximo 30 presos influentes que exercem algum poder de decisão e estão cumprindo pena em um só presídio, em Presidente Venceslau”. Pouco mais de um ano depois, após a produção de um Relint que diz o contrário, Fernando Grella Vieira adota discurso diferente do seu antecessor.
A postura da SSP mudou, no sentido de reconhecer a exata dimensão do inimigo para realizar o enfrentamento necessário?
A SSP nunca negou a existência de organizações criminosas. As polícias Civil e Militar usam informações de inteligência para orientar as investigações e operações. Neste ano, aliás, a integração das polícias e o uso da inteligência resultaram em um recorde histórico de prisões e apreensões de drogas. De janeiro a maio, 72.074 bandidos foram presos no Estado – número 18% maior que no ano passado.
A SSP fez ou pretende fazer intercâmbios com as polícias das outras unidades da Federação e até mesmo dos países nos quais as ações do PCC se alastraram? Se fez, algum resultado concreto já foi obtido?
Estes intercâmbios já são feitos. Por meio de acordo com o Ministério da Justiça, foi criada pelo Governo do Estado a Agência de Atuação Integrada, para investigar as ações de organizações criminosas. O órgão, que funciona na sede da secretaria, tem a participação das polícias Militar, Civil, Rodoviária e Rodoviária Federal, do Ministério Público, Receita Federal e Secretaria de Administração Penitenciária. Já realizou mais de 600 prisões e apreendeu mais de 10 mil unidades de armas e explosivos, além de 8 toneladas de drogas. Há, igualmente, intercâmbios dos setores
de inteligência com polícias de outros estados.
Especialista em organizações criminosas, o jurista Wálter Maierovitch comenta  que o Relint revela “quadro dramático” e acusa o Governo de São Paulo de ser “especialista em culpar as regiões de fronteiras pela entrada de drogas no País, mas não controla os insumos químicos que saem do Estado para a sua produção”. Qual a posição da SSP sobre o tema?
O controle dos insumos químicos usados na produção de drogas cabe à Polícia Federal e ao Exército, órgãos com os quais a SSP mantém parcerias e realiza operações de combate ao crime.

Disponível na Internet em 01/07/13 - http://www.atribuna.com.br/noticias.asp?idnoticia=195278&idDepartamento=11&idCategoria=0
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