CÓRTEX CEREBRAL
Fatores hereditários influenciam comportamento criminoso
Uma entrevista com o psiquiatra britânico Adrian Raine publicada na edição desta semana da revistaVeja mostra
que o mundo os fatores neurológicos envolvidos no comportamento
violento das pessoas. O especialista discorre sobre a possibilidade de
as pessoas serem julgadas com base em suas imagens cerebrais, capazes de
dizer se são predispostas ou não a terem comportamento violento.
Raine
fala também sobre o amadurecimento do cérebro, que traz questões como a
maioridade penal à baila. Segundo o psiquiatra, a idade de
amadurecimento do cérebro é 20 anos. "Adolescentes de 15 e 16 anos são
impulsivos, não controlam suas emoções, porque seu córtex pré-frontal
não está completamente desenvolvido", explica.
Leia trechos da entrevista:
Existe uma predisposição genética para a violência?
O
que nós já sabemos é que cerca de 50% da variação nas taxas de
violência pode ser atribuída a fatores genéticos. Toda uma geração de
pesquisas, realizada com irmãos gêmeos e filhos adotivos, mostrou que os
fatores hereditários são, sim, importantes. A próxima geração de
pesquisas é a molecular, que já começa a identificar quais os genes
envolvidos. Até agora o mais estudado é o gene da monoamina oxidase A
(MAOA), que, quando produz uma baixa quantidade de sua enzima, atrapalha
o funcionamento de neurotransmissores. Indivíduos com essa mutação são
particularmente suscetíveis ao comportamento antissocial, principalmente
quando sofrem abusos na infância. Mas é muito importante destacar que
nunca vamos descobrir um gene que seja, sozinho, responsável pela
violência. Descobriremos vários, que serão associados a muitos outros
fatores sociais. O ambiente também é importante por alterar o modo como
os genes funcionam. O DNA é fixo, mas o modo como ele se expressa — e
como afeta o cérebro — pode ser alterado pelo ambiente.
O comportamento violento pode ser prevenido?
Nós
sabemos que, se pudermos melhorar o funcionamento do cérebro, podemos
melhorar o comportamento. E existem estudos que colocaram isso em
prática. Em um deles, enfermeiras visitaram mães durante sua gravidez e
nos dois primeiros anos de vida da criança. Elas aconselhavam as
mulheres a parar de beber e fumar, ensinavam qual a nutrição adequada,
mostravam as necessidades psicológicas dos bebês. Ao comparar o
resultado dessas crianças com o de um grupo de controle, que não recebeu
as visitas, os pesquisadores descobriram que a delinquência juvenil
caiu pela metade. Nós fizemos um estudo com crianças de três anos, no
qual fornecemos uma melhor nutrição, mais exercícios físicos — que
resultam no desenvolvimento de novas células nervosas — e exercícios
cognitivos durante dois anos. Oito anos depois, essas crianças tinham
melhores funções cerebrais, elas estavam mais alerta e atentas e seus
cérebros pareciam ser pelo menos um ano mais maduros do que o grupo de
controle. Não é só isso: seguimos essas crianças até os 23 anos e vimos
uma redução de 34% no número de infrações penais. Há uma última técnica
que pode ser útil, que é a meditação. Estudos mostram que ela melhora o
funcionamento do lóbulo pré-frontal — uma área cerebral que sabemos
estar disfuncional em indivíduos violentos. Essa técnica ainda não foi
testada em prisioneiros. Isso porque os cientistas relutam em reconhecer
que existem bases cerebrais para o comportamento violento. Espero que
meu livro abra as portas para esse novo campo de pesquisas.
Do ponto de vista da neurociência, quando o cérebro está maduro e a pessoa pode ser julgada como um adulto?
Essa
questão é bastante debatida em todo o mundo. O que sabemos é que o
cérebro humano não está completamente maduro até os 20 anos. Os
adolescentes de 15 e 16 anos são impulsivos, não controlam suas emoções,
porque seu córtex pré-frontal não está completamente desenvolvido. Em
alguns casos, ele demora até os 30 anos para se desenvolver, e sabemos
que disfunções nessa região são encontradas em criminosos. Acho que faz
sentido levar em conta o desenvolvimento cerebral para analisar
conceitos como a responsabilidade penal, mas não existe uma linha
mágica. Há pessoas de 19 anos com cérebros funcionando como o de
indivíduos de 16 anos, mas também existem pessoas de 15 com cérebro de
20. No futuro, poderemos usar outras medidas de maioridade neural, que
usem imagens cerebrais para analisar se uma pessoa é responsável por seu
comportamento. Mas é claro que hoje temos de ser práticos e decidir uma
idade de corte. Nesse caso, fixá-la em 18 anos não me parece ruim.
O sistema judiciário pode usar imagens cerebrais para julgar alguém ou prever suas chances de cometer crimes?
É
possível, mas nós ainda não podemos colocar isso em prática. Pesquisas
iniciais, feitas neste ano, mostraram que imagens cerebrais ajudam a
prever melhor quais criminosos podem voltar a cometer atos violentos nos
próximos três ou quatro anos. Atualmente, a justiça usa fatores
demográficos como idade, gênero, emprego e histórico para prever quais
indivíduos são mais perigosos. Os juízes têm de fazer isso o tempo todo,
quando decidem se condenarão alguém a trabalhos comunitários ou à
cadeia. As técnicas de imagem cerebrais estão começando a nos dar mais
informações que podem ajudar a saber se determinado indivíduo é um
perigo para a sociedade.
O senhor não tem medo que isso leve a algum tipo de abuso, com indivíduos sendo presos por causa de seu perfil cerebral?
Na verdade, sim – como no caso do filme Minority Report.
Nele, a polícia impede os crimes antes que aconteçam. Um grande medo
que tenho é que no futuro usemos a genética, as imagens cerebrais e
outros fatores neurobiológicos para prever a violência e aprisionar as
pessoas antes mesmo de elas cometerem qualquer crime. Isso me preocupa.
Até porque minhas imagens cerebrais se parecem com a de um criminoso
que matou 64 pessoas — eu tenho o cérebro de um serial killer.
Além disso, tenho outros fatores biológicos para o crime, como baixa
pressão sanguínea, e tive problemas de nutrição e no parto. Se esse
cenário acontecer o futuro, eu seria um dos primeiros a ser preso. Acho
que devemos tomar muito cuidado nessa área. Existe uma tensão entre
proteger as liberdades civis — e não prender ninguém por probabilidade —
e a necessidade de proteger a sociedade. Essa é a tensão que teremos
de enfrentar no futuro.
O senhor falou sobre a influência do cérebro, da genética e do ambiente no comportamento. Onde fica o livre-arbítrio?
Esse
é outro desafio da minha área de pesquisas que costuma deixar muitas
pessoas desconfortáveis. Pense em um bebê inocente, cuja mãe fumou e
bebeu na gravidez, que teve uma nutrição ruim e problemas no parto, com
genes que podem resultar em mau comportamento, com problemas de
habitação e de educação durante seu desenvolvimento. Nós sabemos que
essa criança tem muito mais chances de se tornar um adulto violento. Uma
pergunta que surge a partir disso: será que essa pessoa tem
livre-arbítrio? Ela é responsável por seus atos? Em meu livro, eu digo
que o livre-arbítrio é reduzido em algumas pessoas, logo no começo de
suas vidas, por influências que estão além de seu controle. O
livre-arbítrio tem vários tons: a pessoa pode ter total livre-arbítrio,
pouco, ou quase nenhum. Acho que devemos levar isso em conta no sistema
judicial, na hora de punir as pessoas. Existe um caso real de um
indivíduo que teve um tumor em seu córtex pré-frontal que o transformou
num pedófilo. Os médicos retiraram o tumor, e seu comportamento voltou
ao normal. Será que ele era tão responsável por seus atos quanto alguém
que fez a mesma coisa e não tinha o tumor? Essa é a dificuldade e a
tensão desse campo de estudos, e elas não serão superadas de modo fácil.
Em um nível, é importante reconhecer os fatores de risco que conspiram
para diminuir o livre-arbítrio. Mas também temos de levar em conta a
igualdade e a justiça, buscando uma lei igual para todos. Não tenho
respostas no momento. Esse é um debate aberto.
Como a neurocriminologia pode ajudar a explicar os casos extremos de violência?
A
neurocriminologia é uma nova disciplina que estou começando a
desenvolver nos Estados Unidos, que envolve a aplicação de técnicas da
neurociência para entender as causas do crime. Nós tentamos juntar tudo
que aprendemos nos últimos anos — na genética, técnicas de imagem
cerebral, neuroquímica, psicofisiologia e neurocognição — para explicar
porque algumas pessoas crescem para se tornar criminosos violentos.
Queremos entender o cérebro por trás não só dos criminosos comuns, mas
também o de psicopatas, criminosos de colarinho branco e homens que
batem em suas esposas. Nós estudamos todo o leque de comportamento
antissocial e observamos que, não importa a forma, existe uma base
biológica para todos eles.
Todas essas formas diferentes de violência têm a mesma base cerebral?
Há
diferenças. Por exemplo, minha equipe estudou psicopatas — os
criminosos que não têm empatia nem remorso. Já sabíamos que eles têm um
baixo funcionamento da amígdala, o centro emocional do cérebro. Nossa
pesquisa mostrou ainda mais: que nesses indivíduos a estrutura física
dessa área é 18% menor do que no resto da sociedade. Com o centro
emocional reduzido e sem funcionar direito, os psicopatas passam a não
sentir medo. É por isso que eles quebram as regras da sociedade – pois
não têm medo da punição. Quando estudamos homens que batem em suas
esposas, no entanto, descobrimos que suas amígdalas são muito ativas,
mas o córtex pré-frontal não funciona direito. O córtex pré-frontal é a
área que regula as emoções. Nossa conclusão é que a alta atividade da
amígdala resulta em reações exageradas a estímulos leves, como receber
críticas da esposa — o que os deixa mais agressivos. Esses homens que
respondem exageradamente aos estímulos não possuem os recursos
cognitivos para controlar essa emoção. São formas diferentes de
comportamentos antissociais, com tipos diferentes de predisposições
biológicas.
Como se explica que problemas em áreas cerebrais específicas possam levar a comportamentos violentos?
Quando
temos de tomar uma decisão moral e pensamos em quebrar a lei (e todos
nós já pensamos em fazer algo errado), ficamos ansiosos, com um pouco de
medo. Esse é o freio de emergência que nos impede de quebrar as regras
da sociedade. Mas esse freio não funciona direito nos psicopatas. Eles
sabem o que é certo e errado, mas não têm o sentimento correspondente. E
é esse sentimento, e não o conhecimento, que nos faz frear nosso
impulso. Isso traz uma questão que me fascina. Como os psicopatas têm o
motor emocional quebrado — e eles não têm culpa de possuírem essa
disfunção —, será correto culpá-los e castigá-los por seu comportamento?
Essa é uma questão que teremos que discutir no futuro.
Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2013
Acessado e disponível na Internet em 21/08/2013 no endereço - http://www.conjur.com.br/2013-jul-14/fatores-hereditarios-influenciam-comportamento-criminoso-psiquiatra