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quarta-feira, 15 de julho de 2015

Fraudes em licitações da PM usavam até a assinatura de motorista

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O esquema de fraudes em licitações no Comando-Geral da Polícia Militar de São Paulo, com desvios que envolveram ao menos R$ 10 milhões, segundo apuração inicial da própria polícia, utilizou até assinaturas de um motorista.
Foi o próprio motorista, o soldado Gerri Dener Zeferino, que informou aos superiores ter participado, em "duas ou três oportunidades", da formalização de contratos que ele não sabia o que eram.
Zeferino foi ouvido em sindicância que apurou irregularidades no departamento de compras do Comando-Geral em 2009 e 2010.
No depoimento, o soldado disse que seu nome constava da lista de policiais que atuavam no departamento de compras porque, à época, era motorista do tenente-coronel Kooki Taguti, o chefe do setor. Como ficava no quartel à espera de ordens, afirmou, ele era chamado algumas vezes para assinar papéis dos quais desconhecia o teor.
sindicância da PM não apontou quais foram as licitações assinadas pelo motorista nem o montante envolvido. Na documentação da sindicância, entretanto, não há nenhum registro de que Zeferino tenha sido questionado sobre quem pediu a ele que assinasse tais papéis.
Procurado pela Folha, o soldado não quis comentar o caso. Como a Folharevelou em junho, uma apuração da própria PM confirmou um esquema de fraudes em licitações da cúpula da corporação, que envolviam de papel higiênico e peças de carro até obras e serviços no quartel. Os pagamentos eram feitos sem a comprovação de entrega.
O então responsável pelos contratos do setor, o tenente-coronel José Afonso Adriano Filho, admitiu parte das fraudes e afirmou que tinha autorização de seus superiores. Disse ainda que o dinheiro desviado era utilizado para quitar dívidas da própria PM.
A sindicância concentrou-se em 2009 e 2010, mas, como mostraram as reportagens, as mesmas empresas de fachada venceram licitações desde 2005, envolvendo mais de R$ 21,5 milhões. O governo, então, determinou a reabertura das investigações, ampliando o período em análise.
'PARA REGULARIZAR'
Outros oficiais do departamento de compras do Comando-Geral disseram, na sindicância, que parte dos processos licitatórios vinha pronta do setor chefiado por Adriano Filho. Assim, esses oficiais apenas assinavam os papéis.
Um deles, o capitão Gilberto Monteiro Freire, disse que, nas vésperas de auditorias, "os oficiais eram chamados para assinarem documentações em licitações que estavam tramitando, [...] sem a devida documentação de origem, [...] tudo para se regularizar os processos".
Freire disse ainda que não havia uma comissão para receber os produtos –como é comum no serviço público– e que, em alguns casos, até soldados temporários eram usados para atestar o recebimento. Soldados temporários são jovens contratados por tempo determinado para funções administrativas.
OUTRO LADO
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou em nota que foi instaurado um IPM (Inquérito Policial Militar), por determinação do secretário Alexandre de Moraes, para apurar mais detalhadamente o esquema de fraudes em compras.
A nova apuração terá como foco "todos os fatos relacionados às contratações que não foram objeto da sindicância realizada pela PM." O IPM é presidido pelo coronel Levi Anastácio Felix, corregedor da Polícia Militar.
Ainda segundo a secretaria, todos os indícios de irregularidade foram encaminhados para outros órgãos, como Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado.
"Este mesmo material fará parte da instrução de processo no Conselho de Justificação da Polícia Militar, que definirá se o tenente-coronel [Adriano Filho, já aposentado] perderá a patente", diz a nota. A perda de patente leva à perda dos benefícios.
O motorista Gerri Dener Zeferino não quis comentar o assunto. "Eu não lembro e não posso falar sobre isso", disse. A reportagem não conseguiu localizar o tenente-coronel Kooki Taguti, chefe de Zeferino à época, nos telefones registrados em seu nome.
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A fraude
Dinheiro destinado à aquisição de produtos –muitos não eram entregues– e à contratações de serviço para o Comando-Geral da PM era desviado por meio de licitações fraudulentas


Período
Entre 2009 e 2010, no mínimo, mas operador do esquema atuava no departamento desde 2000


Comando-geral
Formado pelo comandante-geral (indicado pelo governador), subcomandante e oficiais do Estado-Maior; fica na região da Luz (centro de SP)


O operador
Tenente-coronel José Afonso Adriano Filho é apontado como operador. Ele era o responsável pelas finanças do Departamento de Suporte Administrativo do Comando-Geral


O que ele diz
Confirma parte do esquema, mas alega que o dinheiro era desviado para pagar dívidas da própria PM. Ao menos R$ 10 milhões é o montante envolvido nas licitações irregulares em 2009 e 2010; não se sabe o destino exato do dinheiro

Acessado e disponível na Internet em 15/07/2015 no endereço - 
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/07/1655415-fraudes-em-licitacoes-da-pm-usavam-ate-a-assinatura-de-motorista.shtml